9.13.2010

Os rapazes quase choram


























No mundo da música, a este nível, também se pagam prémios chorudos de assinatura. A testemunhá-lo está o caso de Robert Trujillo, que ao aceitar ser escolhido para substituir Jason Newsted como baixista dos Metallica, não apenas viu a sua condição subir de imediato a "ícone" da música, para um Especial MTV dedicado à banda, como recebeu logo ali à cabeça, como se costuma dizer, um milhão de dólares. É no que dá passar a servir o "monstro" em que os Metallica se tornaram, após se destacarem como um dos negócios mais lucrativos da indústria musical na década de 90. O "monstro" foi engordando a conta bancária e tornou-se paranóico. A competição entre os elementos fundadores, que já levara à perda remota de Dave Mustaine para os subsequentes Megadeth, empurrava então Jason Newsted na direcção da mesma porta de saída. A cabeça tricéfala estava em crise, e James Hetfield, Lars Ulrich e Kirk Hammett decidiram contratar um super-terapeuta relacional, pago a 40 mil dólares/ mês, para tentar apaziguar os egos da banda.
Diga-se que se exceptuarmos as diferenças óbvias decorrentes dos hábitos e estatuto de um dos mais lucrativos projectos musicais da altura, o que Some Kind of Monster dá a ver é o lado vulnerável e inseguro de pessoas como nós que levam vidas de superior protagonismo e responsabilidade. Com duração semelhante a um filme de Jacques Rivette (140 minutos), o extraordinário documentário de Joe Berlinger e Bruce Sinofsky acompanha o curso da substituição de um dos elementos dos Metallica, a par do longo e tumultuoso processo de gravação do álbum St. Anger, o parto mais difícil na discografia do grupo. Há um lado de dispositivo Big Brother (modo "confessionário") a operar aqui, mas a montagem final garante o contínuo de intervenções de luxo (sem qualquer referência agora a questões de dinheiro). Os Metallica propõem-se enfrentar o "monstro" em que se tornaram de frente, e isso chega a ser comovente: para eles e para nós.
Nunca vi registo filmado que entre tão intimamente nas tensões que se vive numa banda rock. Dois anos repartidos pela observação da vida de cada músico e da interacção de uns com os outros, marcada por ressentimentos que não têm apenas origem na história dos Metallica mas que resultam ainda das histórias pessoais dos seus elementos. Some Kind of Monster dá a ver um objecto permanentemente ameaçado na sua razão de ser (os acontecimentos apresentam grau elevado de imprevisibilidade e conflito) e no seu intento derradeiro (a presença da equipa de filmagem não é pacífica, em particular para James Hetfield que desaparece largos meses sem deixar rasto). Graças aos dois autores e aos Metallica podemos vê-lo. Podemos fazer parte da experiência.

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