4.28.2009

"Avant que j'oublie" IndieLx09 27.04.09


















Os filmes de Jacques Nolot comem-se crus. É cinema gay sem mariquices costumeiras. Curvo-me perante o seu grau de exigência; face à sua frontalidade, que pouco tem de exibicionismo. Tanta reverência toma por base, até ver, um único título: Avant que j’oublie. Teatro privado – é sabido que os filmes de Jacques Nolot são parcialmente auto-biográficos; mesmo que o não fossem, a impressão que deixam tem a ver com o risco de uma exposição controlada. E é nessa crueza que se decidem. Num corpo que assume as marcas da idade. Um corpo usado mas orgulhoso. Um corpo gasto que mantém a pose austera. Avant que j’oublie fixa-se nas horas mortas de um outrora gigolô, Pierre (Jacques Nolot, pois então), sexagenário, seropositivo, privado do companheiro mais regular na sua vida, falecido recentemente, que o deixara bem instalado na vida. Pierre, escritor vazio de ideias, leitor aborrecido, disfarçando mal a falta de arcaboiço para penetrações, para quem a ocasional genuflexão se revela agora esgotante. Pierre sente-se velho, cercado de mortos, a doença a pedir nova medicação. Nolot filma com desassombro, e o resultado impõe-se como um testemunho no osso. Objecto exangue, que se perpetua em conversas de café e mamadas ao domicílio. E por fim no mais radical golpe de teatro, com uma sinfonia de Mahler sobreposta (única cena em que recorre a banda-sonora), onde Pierre surge travestido a rigor, na entrada de uma sala de cinema para adultos, a aguardar o regresso do prostituto que o levara até lá. O plano em que Pierre caminha depois, sozinho, na direcção de um fundo escuro que o apaga, é como a figuração da morte por antecipação (ligando-se ao plano inicial de Avant que j'oublie, a conversa de Pierre com um conhecido de maior idade num cemitério). Morte em Paris, de uma intensidade para dentro, ao contrário da outra igualmente antológica na qual Dirk Bogard agonizava a impossibilidade do amor frente ao mar de Veneza. É como se o cinema de Jacques Nolot se fizesse de uma parte Visconti, para nove partes Fassbinder. Trágico, mas com uma frieza de mármore. Haja respeito. Todo o respeito.

Repete sábado, 2 de Maio às 00.15h, no City Classic Alvalade.

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