4.28.2009
Tavares pobre e Tavares rico
Para o Miguel Sousa Tavares, com amor
por João Miguel Tavares (DN 28.04.09)
Miguel Sousa Tavares descobriu no íntimo de si a inocência de José Sócrates e há 15 dias resolveu partilhá-la connosco num artigo do Expresso. Nada contra. Expor convicções com base em "achamentos" e estados de alma não me parece o método ideal para debater assuntos no espaço público, mas como se sabe MST topa tudo a léguas e tem as suas intuições em enorme conta. No último sábado, MST voltou a partilhar connosco que no íntimo mais íntimo de si tem a certeza de que José Sócrates é inocente. Mas com uma novidade: resolveu implicar comigo.
Escreveu ele: "Há um tipo - que tem o mesmo apelido do que eu e que escreve semanalmente no DN, onde se especializou na ofensa fácil - que escreveu que Sócrates falar de moral é o mesmo que Cicciolina falar de virtude, ou coisa que o valha." E depois continuava, mostrando toda a sua compreensão para com o processo que o primeiro-ministro me colocou, e concluindo com o clássico: "Liberdade? De imprensa? Ora, vão pastar caracóis para o Sara! Eles sabem lá o que é a liberdade! Sabem lá o que isso custa a ganhar!" Seguiam--se mais duas frases que também acabavam com pontos de exclamação, perfazendo um total de cinco pontos de exclamação consecutivos, coisa não vista na imprensa portuguesa desde o Verão de 75. Eu ainda fui à enciclopédia ver se MST tinha sido um dos capitães de Abril, mas o único Sousa Tavares que encontrei por lá chamava-se Francisco.
Contudo, não é por isso que critico MST. À medida que se envelhece pregar contra a "libertinagem" torna-se uma tentação irresistível. Há que ser compreensivo. Já aquele "ou coisa que o valha" custa-me mais a aceitar. MST parece o Mário Soares do jornalismo: popular, voluntarista e opinativo, mas sem qualquer paciência para estudar os dossiês. "Ou coisa que o valha"? Caro MST: o que eu realmente escrevi está por toda a net (digite "google.pt", preencha a caixinha branca e carregue no enter) e já me fartei de explicar que a pobre Cicciolina nem sequer consta da queixa. Se for com este rigor que perscruta o seu íntimo, temo pela inocência de José Sócrates.
Ao invés, se fizesse o trabalho de casa, certamente perceberia que entre si e aqui o tipo especialista "em ofensa fácil" não há assim tantas diferenças sobre o entendimento do caso Freeport, tirando a parte das suas "convicções pessoais". Mas sabe como é: eu não conheço o primeiro-ministro, janto poucas vezes fora de casa e não tenho companheiros de caça. Parecendo que não, isso ajuda a não ter tantas "convicções pessoais". E quanto a ir pastar caracóis para o Sara, seria um óptimo programa não fosse correr o risco de dar de caras consigo numa daquelas expedições pelo deserto. Por mais estranho que lhe possa parecer, nós dois juntos numa duna não é um dos sonhos da minha vida.
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