10.31.2007
10.30.2007
Gross man
(Em Carne Viva / Sheti’yi li hasakin, de David Grossman, edição Campo das Letras)
Não resisti.
10.29.2007
doclisboa - os outros dias
Nunca fui sensível - embora goste bastante de On the Waterfront - à masculinidade irradiada por Marlon Brando. Tão pouco ao seu trabalho de actor que sempre achei a modos que cabotino - fisicalidade (es)forçada - murros na mesa, t-shirts rasgadas, ganidos de bebé adulto - longe, muito longe, dos meus eleitos: Cooper ou Mitchum, por exemplo. Mesmo assim resolvi ir ver Brando, de Leslie Grief e Mimi Freedman, que encerrou a maratona marcada para ontem no doclisboa. Aprende-se sempre alguma coisa com estes objectos. São de um academismo sem mácula. Trazem imagens e outros documentos muito pouco vistos ou inéditos até, só que levar com quase 3 horas de hagiografia plena de redundâncias, com a "ilustre carneirada" (Scorsese, Turturo, Norton, Penn, Malden, Pacino, Depp) a tecer comentários embascados sobre um actor que marca a sua época, e várias décadas também (há, segundo eles, o antes e o depois de Brando), torna-se programa por demais enjoativo. A estes documentários (muito bem documentados) em que os americanos são especialistas, falta o reverso da questão: vozes dissidentes, a atribuição de espaço ao lado sombrio do sujeito em foco e a total isenção que se pede a um trabalho acima de suspeita. Por exemplo: a muito propalada ausência de Brando na cerimónia dos Oscars de 1972, onde viria a receber a estatueta principal pelo Padrinho, deu origem ao número de circo (que o documentário não refere enquanto tal...) que foi a aparição da actriz que a pedido do consagrado se fez passar por uma Nativa Americana que reclamava da descriminação de que os índios eram alvo quando retratados pelo cinema daquele país. Parece que John Wayne, também presente, teve vontade de arrancar a impostora do centro das atenções, mas tal não se veio a verificar. Na próxima edição do doclisboa, se fazem o favor, quero um documentário destes mas sobre o homem Wayne: chega de bebés chorões.
No mesmo dia, ao final da manhã e início da tarde, projectou-se Andy Warhol: a Documentary Film, de Ric Burns, não somente 3 mas 4 horas sobre a figura que alguns consideram o maior artista da segunda metade do século XX. É um trabalho de competência equivalente a Brando, e com as limitações daquele. Demasiado exaustivo, furtando-se às imagens mais provocadoras produzidas pelo artista, é o tipo de documento que serve à instrução de toda a família na hora do jantar (ninguém regurgitará o leite com aquilo que se ouve ou vê no ecrã...). Serve assim de curso acelerado sobre a cultura popular na era do culto da iconografia e das possibilidades de infinita reprodução, se passarmos por cima do branqueamento que este tipo de abordagem promove em relação aos eleitos. A intimidade de Warhol fica-se pela nota de rodapé, o período com os Velvet Underground vai-se "num fósforo", os seus trabalhos com imagens em movimento são analisados pela rama: outra limitação deste tipo de objecto é colocar, de inicio até ao fim, as mesmas pessoas a papagearem as mesmas coisas sobre aquele com quem tiveram o privilégio de privar em tempos idos. A certa altura repetem-se as imagens e os argumentos sucedem-se como clichés em marcha aprumada. Ainda assim, e tendo em conta o interesse suscitado pelo tema, foi um tempo mais proveitoso do que o que estaria para vir - e que veio a incluir ainda Bomb It, de Jon Reiss, sobre a malta do graffiti que "picha" por esse mundo fora. As razões, as vidas, os resultados, a liberdade, a contestação, cedo atingem o limite da diversidade. A coisa tem ritmo, cor e pouco mais. Foi muito aplaudida a sessão, mas não por mim.
Também saí mudo e quedo da sessão da passada quinta-feira, onde foi exibido Zidane, un Portrait du 21ème siècle, de Douglas Gordon e Philippe Parreno. Gostar de futebol, ajuda. Gostar de Arte, nem tanto. Trata-se, como diria um ex-professor meu, de um objecto extremo. Experiência que retém a curiosidade do espectador ao longo do primeiro terço da sua duração e que a partir daí limita-se a eventuais variações sobre os milimétricos estados emocionais e a movimentação em campo do astro francês. Zidane em plano aproximado como se estivesse a jogar sozinho. Para observar insistentemente uma pessoa condicionada, acho demasiado. Por mim, teria expulsado Zidane mais cedo para encurtar o filme. Outros visionamentos: Despuès de la Revolución, de Vincent Dieutre: diário de Buenos Aires com muita imagem sobreposta, algum sexo "transgressivo" e pontuais planos fixos das ruas da capital argentina. Tudo muito aborrecido. Esqueci-o imediatamente. Alimentei maiores expectativas em relação a Schoolscapes, do australiano David MacDougall. Primeiro porque se passava na Índia. Depois porque partia dos ensinamentos de Krishnamurti, aplicados a uma escola por ele fundada. No entanto, uma vez recusada a mínima contextualização, não foram dadas muitas hipóteses ao espectador para se relacionar com os fragmentos, montados de forma elíptica, o resultado acabando por gerar indiferença: certamente mais sentida por uns que por outros. Quanto a mim, acabei no lote dos primeiros.
Para o fim deixei os melhores filmes que vi na edição deste ano do doclisboa: Le Papier ne Peut Pas Envelopper la Braise, de Rithy Pahn e Morceaux de Conversations avec Jean-Luc Godard, de Alain Fleischer. Ambos incluídos na secção designada por Sessões Especiais, o filme do cambodjano é marcado por enormes tristeza e resignação que são as das jovens mulheres que se prostituem nas ruas de Phnom Penh, que pouco a pouco perdem a crença de que haja alternativa àquela existência a que circunstâncias aproximáveis vieram a condená-las. O que chega a ser comovente no filme de Pahn é a capacidade deste para arrancar alguma poesia a um cenário desolador. Há frequentemente planos magníficos - planos de cinema - e há a registar também a capacidade do realizador para se aproximar das mulheres que se confessam para a câmara. Igualmente desarmante é a constatação, através do filme de Fleischer, do estatuto de dinossauro que é o que Jean-Luc Godard ocupa no panorama audiovisual actual globalizado. O que as últimas imagens deste filme particular revelam com proporcionais pudor e intensidade , é um homem cada vez mais só cujo discurso já não comunica com as gerações seguintes e que parece excluído da presente lógica de produção do cinema: nem Godard percebe patavina daquilo que motiva ou constitui o trabalho dos jovens criadores patrocinados - tal como ele - pelo Centro Pompidou, como por outro lado vê dificultada a forma de adequar o seu trabalho ao espaço concentracionário das salas de exposição. Godard cada vez mais isolado, encerrado no museu de imagens que tem em casa, privado e no limite intransmissível. Objecto tocante e amargo como a constatação de um tempo perdido para sempre.
10.26.2007
Sugimoto. 1996
«To get the powdery sea effect in "North Atlantic Ocean - Cape Breton Island" [1996], Sugimoto hauled his American-made, wooden cabinet Durdorf and Sons camera out to Newfoundland, mounted it on a French tripod, screwed on a Carl Zeiss lens, loaded an 8x10 sheet of Kodak Plus-X 125 ASA film and then put a 16x neutral density filter on the unwieldy apparatus to reduce the film’s sensitivity to well below one ASA. "That’s like the speed of 19th C. film, when photography was invented," he explains. When satisfied with light and composition, he tripped the shutter and waited one and a half hours for the seascape image to burn itself onto the film.» (Hiroshi Sugimoto at the Gallery Koyanagi, por Monty DiPietro)
Sayonara
A descoberta dos filmes de Takeshi Kitano, na primeira metade dos anos 90, e por intermédio das primeiras obras - Violent Cop, Boiling Point e em particular Sonatina - marcam a última vez que reagi ao cinema com todos os meus sentidos. Era francamente uma revelação e sentia-me privilegiado quando conversava sobre o japonês com pessoas que partilhavam o meu entusiasmo. Talvez por sermos dois, três, no máximo quatro a fazê-lo, Kitano era um prazer privado que dava a ilusão de estreitar a relação daqueles que viam e que falavam dos seus filmes, e sobre nós aparentemente descia uma espécie de aura cool e não menos burlesca semelhante à dos gangsters de Takeshi - recordo que chegámos a planear ir à antestreia de Hana-bi (o filme que lhe trouxe reconhecimento "universal") envergando camisas havaianas que nunca viemos a comprar. Nos últimos anos, as informações que chegam sobre títulos que nunca cá estrearam apontam no sentido de o cinema de Takeshi Kitano já ter conhecido melhores dias. O cinema para mim já conheceu definitivamente melhores dias (o "shutdown" é aquilo que de mais comum tem agora a minha experiência de espectador, e não me refiro ao apagar das luzes na sala). Sendo que os mais recentes tiveram a assinatura de Takeshi Kitano.
para o Miguel, para o Vasco e para o Júnior (gangsters retirados como eu)
10.25.2007
James. O melhor
De acordo com o senso comum do muito prático AllMusic, comprei de uma assentada o melhor que a discografia dos James tem para dar. Não cheguei ignorante aos CD's da banda: ouvi na adolescência por intermédio de amigos que eram fãs, ao contrário de mim, e bamboleei o esqueleto ao som dos principais hinos da banda. Agora é uma história totalmente diferente. Estou a ler o diário de Brian Eno, que lhes produziu dois discos e pelo menos um registo que ficará para a prosperidade: o sensacional Laid (que recomendo a qualquer pessoa, sem a mínima hesitação; neste caso, o problema será sempre de quem lhe ficar indiferente). Escutar os James em idade adulta traz o beneficio de valorizarmos mais do que apenas música e refrões: a banda de Tim Booth nunca se acomodou à escrita de letras fáceis, preferindo dar conta daquilo que pode em muito casos traduzir um sentimento de frustração, que só não será universal porque haverão sempre hipócritas demagogos que nos acenam com o caminho do sucesso. Esse é justamente o momento de lhes voltarmos costas, pormos um CD dos James a tocar (de preferência um destes quatro) e pedirmos a próxima caneca. Ou servirmo-nos do próximo copo.
10.24.2007
Apontamentos do concerto de David Sylvian em Braga
E o concerto? Usei de início os termos “limite”, “simples” e “perfeito”. Não me ocorrem outros melhores que estes. No palco encontravam-se os quatro músicos que a promoção prometia: além do muito belo David Sylvian, franzino e elegante, estavam o seu irmão (o entretanto meu “conhecido” Mr. Jansen), Keith Lowe (ou melhor, “Kilt” Lowe, piada para os que estiveram lá!), e Takamura Watanabe, a versão rejuvenescida de Ryuichi Sakamoto (não se iludam; o espectáculo não fez concessões em demasia e Sylvian não cantou o seu “leãozinho” que, sabem todos bem, e muitos não se cansaram de pedir, chama-se Forbidden Colours). Hora e meia a abrir e fechar os olhos – quanto mais fechados mais os ouvidos se abriam à música e à VOZ – para escutar um alinhamento composto em cerca de dois terços por canções do período Dead Bees On a Cake em diante **. A impressão que fica é que a tournée The World is Everything, apesar da simbólica colher de chá para o saudosismo dos fãs, projecta cuidadosamente o rompimento definitivo com o património lírico anterior à criação por parte de David Sylvian da sua casa de edição. A memória que guardamos mais forte deste concerto, prende-se com os temas de Blemish e de Snow Borne Sorrow, do projecto Nine Horses. Os recuos mais acentuados foram pontualíssimos: gratificantes para a plateia, embora de menor intensidade interpretativa; funcionaram como interlúdios (pontos de passagem) para a travessia da obra que responde pelo passado recente da discografia de David Sylvian.
No entanto, nem por isso esquecerei as versões estruturalmente acústicas de Ghosts e de Before the Bullfight, por exemplo(s). Deu-se o encontro. Cumpriu-se em mim o ritual numa espécie de êxtase dormente. Cheguei a acreditar por momentos que me encontrava a escutar aquela música no espaço íntimo de minha casa, para em seguida abrir os olhos para a multidão de silhuetas sentadas e para as quatro figuras, recortadas num fundo abstracto, e atravessadas por feixes de luz, ora azul ora violeta. Foi muito bom. Sylvian não perdera a voz (como alguns melhor informados receavam) que se fez ouvir até aos dois encores que estavam no programa: onde voltou a imperar o CD Dead Bees On a Cake. Seguiu-se a espera, e a certa altura éramos só três os resistentes. E depois veio o meu momento Ricky Gervais da noite (ou talvez não). Sylvian acabou saindo pela porta principal do Teatro Circo, na companhia do irmão, da mulher e do filho deste (que seguia adormecido). A noite arrefecera, o homem estivera doente, não tive coragem – ao vê-lo passar a menos de um metro à minha frente – de lhe dirigir mais do que um “good evening”. Sylvian olhou, sorriu e agradeceu (o facto de termos permanecido ali à espera dele?!), entrando no carro que arrancou de imediato. Tive direito ao breve cruzar dos nossos olhares. Terá sido pouco. Acredito que nos entendemos, no nosso (no meu consideravelmente maior) pudor e também nas prioridades de cada um. Terá sido muito. Foi isto o limite.
* Foi o próprio tour manager de David Sylvian, Patrick, que nos garantiu ser quase impossível a realização em nova data do concerto cancelado do CCB. Não sei por quanto mais tempo guardarei os meus bilhetes…
(encore 1) Every Colour You Are/ River Man ("Rain Tree Crow" Rain Tree Crow/"Gone To Earth" David Sylvian)
(encore 2) Wanderlust ("Dead Bees On a Cake" David Sylvian)
10.23.2007
Tesourinhos geniais
"This Girl's in Love With You” por Burt Bacharach e Ruth Williamson (Mrs. Grubman), do 8º episódio da quarta época de Nip/Tuck, intitulado "Conor McNamara".
10.22.2007
Só mais um
A quarta época de Nip/Tuck tem o melhor recomeço de sempre. Os dois primeiros episódios são elucidativos de que Ryan Murphy reforçou Nip/Tuck naquilo que constitui o maior tr(i)unfo da série: a relação de "amor" entre os cirurgiões Christian Troy e Sean McNamara, pesos morais cuja complementaridade é cada vez mais feita daquilo que os aproxima - uma pulsão lúbrica que mascara tipos diferentes de solidão (Sean à deriva com problemas familiares enquanto aguarda o nascimento do terceiro filho; Christian a montar todas as mulheres que lhe aparecem na frente tomado pelo cinismo). É muito boa a exploração da possível bissexualidade de Troy, acompanhada da crise de imagem que nasce da comparação do seu corpo (perfeito, segundo o amigo McNamara) com outros corpos de homens mais novos que ele. E finalmente o investimento em trazer para a série figuras de carisma diverso, do cinema e da televisão do passado. Nos cinco episódios que vi num só dia (estendido até às 3 da madrugada, hélas), surgiram Brooke Shields, Kathleen Turner, Richard Chamberlain, Jacqueline Bisset e Larry "J.R." Hagman, sendo que os dois últimos vieram para ficar. Nip/Tuck é a grande série dramática dos últimos anos (que me perdoem os fãs dos Sopranos).
10.19.2007
doclisboa - dia 1
«There are very few subjects anymore that are quote-unquote dirty to the average person, subjects that a filmmaker could endeavour against all odds to make beautiful. And this was one of them. I just felt there was some love in this story—some beauty and friendship and emotion. People could say we overaestheticized things. Obviously what happened is a tragedy. It’s not a thing to take lightly. So hopefully it’s not a frivolous beauty in the film, but a darker beauty.» (Robinson Devor, entrevistado na cinema scope)
O doclisboa começou para mim às 22h de ontem, no pequeno auditório da Culturgest. Zoo é um documentário muito (mesmo muito) na linha do dispositivo de Errol Morris, que mistura a reconstituição artística de situações ocorridas, com a voz sobreposta de gente que nelas tomou parte; que recorre a pessoas que fazem delas próprias e a actores que ocupam o lugar dos que optaram pelo anonimato; que usa a música glassiana de Paul Moore e que sobretudo revela a preocupação de tratar um caso excepcional - o grupo de homens que se reunia numa quinta do Estado de Washington para ter sexo com cavalos -, não como a prática de indivíduos dementes e anti-sociais mas como uma área protegida da vida de gente comum que a Internet aproximou e que esporadicamente se encontrava para se entregar literalmente (a bestalidade) ao amor suscitado pelos animais (a zoofilia). O trabalho de Robinson Devor e de Charles Mudele (jornalista de Seattle) prefere tratar o caso - tornado público quando um dos homens veio a morrer em consequência de perfuração do cólon - dando espaço à manifestação das razões de afecto e daquilo que abrangia a existência dos protagonistas, em vez de classificar os motivos como uma preversão deles. O resultado leva-nos a ampliar as fronteiras do que damos por humano e a criar uma relativa empatia com esta história que Devon resgata pelo que encerra de amor mais do que pelo horror. Começou bem (para mim), esta edição do doclisboa.
10.18.2007
Quem sonha tem medo
(David Mourão-Ferreira)
É uma escada em caracol
E que não tem corrimão.
Vai a caminho do Sol
Mas nunca passa do chão.
Os degraus, quanto mais altos,
Mais estragados estão,
Nem sustos nem sobressaltos
servem sequer de lição.
Quem tem medo não a sobe
Quem tem sonhos também não.
Há quem chegue a deitar fora
O lastro do coração.
Sobe-se numa corrida.
Corre-se p'rigos em vão.
Adivinhaste: é a vida
A escada sem corrimão.
O desprezo
«Mas logo no início, acontece uma coisa que determina todo o comportamente de Camille e que Paul não entende (mas Alberto Moravia conhecia profundamente as mulheres, que medo). Paul incentiva Camille a entrar no carro de Jerry, apesar de ela dizer que não, que prefere ir com ele. Paul não só a abandona como a testa, tratando o amor profundo com desconfiança e desrespeito. A partir daí só pode haver desprezo.»
Quem sou eu para saber se a Carla conhece profundamente as mulheres, mas ao ler esta passagem tive medo. Um medo que o filme não me fez sentir.
Já não era sem tempo
Nada daquilo é novo (vem do Demy, do Godard, do Truffaut, do Resnais, do cinéma vérité, da reciclagem produzida pela estética videoclip) mas As Canções de Amor, de Christophe Honoré, é filme que sentimos como bastante contemporâneo, que se metamorfoseia na fluidez das ligações amorosas enquanto alinha óptimas canções (nome a fixar: Alex Beaupain) onde a emoção que predomina é também a melancolia. Estrutura-se em três capítulos - A Partida, A Ausência e O Regresso - e lança o seu teatrinho sentimental no coração de Paris, cujos exteriores surgem cheios de anónima realidade. Gostei muito.
10.17.2007
Músicas que planam
Este "Airwaves", por exemplo, de Thomas Dolby, que descobri no CD "From Brussels With Love".
Outros discos planantes
Desde que ficou paralisado da cintura para baixo em consequência de uma queda, que Robert Wyatt passou a sonhar alto. A sua música tornou-se dócil e leve mesmo quando nela se cant(av)am coisas "graves". Com o passar dos anos parece-me que Wyatt já não leva tão a sério o mundo - e a si próprio, então, ainda menos. Mas há coisas que para o músico são mesmo importantes, e isso nota-se logo à primeira audição do recém editado Comicopera - novo tratado sobre o prazer de fazer música, talvez o único sobre o qual os capazes detêm total controlo. As composições de Robert Wyatt desafiam-nos a ir ao encontro de uma inocência quase uterina. Se não chegarmos lá através da música (de qualquer música), atrevo-me a dizer que ela se tornou irrecuperável. Continuarei a perseguir a minha, arriscando perder-me pelo caminho. Bons sonos.
Nota: o João Lisboa chamou a atenção para a qualidade da entrevista de Rui Tentúgal, no Expresso. Destacando uma passagem que é absolutamente puro Wyatt.
Do mais doce néctar
Lekman regressa a este espaço (agora protegido do directo) com outra canção do novo disco que paira em todo o esplendor: "Sipping on the Sweet Nectar". Espalhem a notícia.
10.16.2007
Dans Lisbonne
- Mas há quanto tempo se separaram?
- Dois anos.
- Dois anos? Isso não é assim tanto tempo.
- São dois Verões e dois Invernos.
- É verdade. São dois Verões e dois Invernos...
Sugimoto/ Naoshima/ Sylvian
A imagem mostra um altar Xinto desenhado por Hiroshi Sugimoto que se encontra em Naoshima - ilha japonesa e também espécie de "Jardim do Éden" da arte contemporânea -, local de onde surgiu a encomenda que resultou no último CD editado por David Sylvian, When Loud Weather Buffeted Naoshima. Assim, Sugimoto liga-se com Naoshima que se liga com Sylvian. Isto tem a importância que cada um lhe quiser atribuir. Para mim serve de confirmação de uma geografia afectiva que se constitui dentro de nós e cujos limites se estendem sempre além da consciência que deles temos. Na prática, é como se eu já gostasse do trabalho de Sugimoto antes mesmo de ter conhecimento da sua existência. O encontro com as primeiras imagens limitando-se a confirmar esse potencial que pré-existia dentro de mim.
Being Eduardo Pinto
Foto: Mar de Boden, Uttwil, 1993. ©Hiroshi Sugimoto
Ao amigo que identificou e recriou a tradução imagética da música de que mais gosto, o meu sentido e público abraço. Caramba, é preciso ter carradas de sensibilidade (és um artista, pá!).
10.15.2007
Postar às surdas
No disco isto soa que é uma maravilha. Que tal agora a versão acústica de "Your Arms Around Me", de Jens Lekman? Digam coisas, digam.
Já me tinham dito
You Belong in Paris |
You enjoy all that life has to offer, and you can appreciate the fine tastes and sites of Paris. You're the perfect person to wander the streets of Paris aimlessly, enjoying architecture and a crepe. |
Viva a realeza
Príncipes Jonny Wilkinson e Percy Montgomery. Agora é com eles.
Grande final em perspectiva para sábado, um jogo concerteza mais equilibrado do que a partida do passado dia 14 onde Inglaterra (sem Wilkinson) não fez um único ponto. De um lado a inteligência do colectivo e o sangue frio do fenomenal chutador. Do outro uma selecção simplesmente Full Power.
10.12.2007
Benjamin Biolay
Como não tenho som no computador, procurei sincronizar as imagens com a música do Discman. Falhei por segundos, mas a impressão ficou. O tema, "Dans La Mecro Benz", faz parte do sensacional "Trash YéYé" que tenho escutado compulsivamente. Se um dia existir videoclip de "Douloureux Dedans" (canção obsessiva mais que perfeita) coloco-o também aqui. Por ora fiquem-se com esta e ouçam-na como eu não posso...
10.10.2007
O amor em cada nota
Quando é amor a sério, o amor é definitivo. Sendo no caso do CD de Michael Brecker, duplamente definitivo: trata-se de um dos seus melhores discos e ele não gravará nenhum outro. Já o tributo a Joni Mitchell liderado por um Herbie Hancock ao seu mais altíssimo nível, produz revelações: quem acreditava que a escolha de Tina Turner poderia corresponder ao casting perfeito? São ambos trabalhos onde o amor se nota. Amor à música, abraçada com os extensos braços do jazz e com o respeito que estes grandes músicos - num ou noutro disco, Pat Metheny, Brad Mehldau, John Patitucci, Jack DeJohnette, Wayne Shorter, Dave Holland, Vinnie Colaiuta, Lionel Loueke (não esquecendo as vozes de River: Tina, Norah, Joni e Cohen muito em particular, Corinne, Luciana...) - mostram pela música aqui apresentada. São trabalhos carregados de star quality que não desmerecem um compasso que seja a qualidade musical final.
O minuto 69
A França tinha empatado ao minuto 55 quando jogava contra 14. Um quarto de hora depois faz um grande ensaio, converte o respectivo pontapé e fixa o marcador em 20-18 a seu favor. Eu já tinha notado o ar mais perplexo que o meu na expressão de Anton Oliver, sentado no banco lado-a-lado com Daniel Carter que havia saído por lesão. O jogo estava equilibrado mas dava a sensação de que a vantagem da Nova Zelândia era dado seguro. De repente, tudo se alterava. De repente, a minha t-shirt "mágica" (THE TRADITION) - trazida daquelas terras onde o rugby é jogado como em nenhuma outra parte do mundo - mostrava-se impotente face à verdade dos factos. Eu via (através dos meus olhos e pelos olhos de Anton Oliver), isso era um facto, mas de facto custava-me a acreditar no que via. A tradição insistindo em deixar de ser o que era. Fui-me embora, decidindo não ver mais.
10.08.2007
Ver para crer
Repete esta quarta-feira, às 14h30, na SportTV1.
Das equipas da minha simpatia, só a África do Sul passou. Gosto da Irlanda, Escócia, Gales, nada que se compare à fixação pelos All Blacks que é quase juvenil. Neste Mundial acabei torcendo pelos "lobos" (naturalmente), por Tonga e Fidji que proporcionaram espectáculo e surpresa. Acho que a Argentina está muito sólida e defende como nenhuma outra equipa (falham pouquíssimo, os sul-africanos vão ter de dar o litro). Tem sido um enorme privilégio assistir a todos os jogos, de tal modo que os meus fins-de-semana vão sendo programados em função do rugby. Isto vai terminar em ressaca, tenho a certeza.
10.04.2007
Marsen Jules
A fotografia (gentilmente cedida por Rui Minderico) corresponde a um instante da actuação de Marsen Jules, ontem, na primeira noite dos Encontros de Música Experimental de Palmela. Na penumbra, muito concentrado, o alemão alinhou sons retirados de momentos diferentes da sua discografia, fazendo por vezes lembrar a música de Murcof e do projecto Deaf Center. Foi bom, teve momentos mesmo muito bons, embora eu tenha chegado à conclusão que não há como o a nossa casa para tirar partido de uma música que seduz até à total imersão. Questão de conforto e de concentração e seus graus variáveis.
Wishing and hoping
Confere
Também tomo sempre banho de água fria, o que confere uma certa vitalidade.
(Filipe Soares Franco em entrevista à Visão)
10.02.2007
10.01.2007
Património de humanidade
No One is Alone (retirado de Into the Woods)
No one here to guide you,
Now you're on your own.
Only me beside you. . .
Still, you're not alone.
No one is alone, truly.
No one is alone.
Sometimes people leave you
Halfway through the wood.
Others may deceive you
You decide what's good.
You decide alone,
But no one is alone.
People make mistakes,
Fathers, mothers,
People make mistakes
Holding to their own,
Thinking they're alone.
Honor their mistakes
Everybody makes
one another's terrible mistakes.
Witches can be right,
Giants can be good.
You decide what's right
You decide what's good.
Just remember. . .
Someone is on your side.
Someone else is not.
While you're seeing your side
maybe you forgot:
They are not alone.
No one is alone.
Hard to see the light now
Just don't let it go.
Things will come out right now
We can make it so.
Someone is on your side
No one is alone.
Não sei se haverá na história da escrita para canções alguém que possamos fazer equivaler a Stephen Sondheim. Há uma zona de sombra, uma densidade emocional que humaniza profundamente as personagens dos seus musicais, seres imperfeitos em busca da felicidade, que não encontramos mesmo nos maiores compositores que vieram antes - igualmente perfeitos quer nas letras quer nas melodias, como Porter, Gershwin, Berlin ou Lerner -, mas que ficaram aquém de Sondheim na exploração dos dramas centrais à existência humana: a capacidade para amar e ser amado; a necessidade da presença dos outros e uma consciência implacável de que nunca deixamos de estar sozinhos. Muitas canções escritas por Stephen Sondheim são verdadeiros ensaios (à Montaigne) sobre essa coisa complexa e irresolúvel que é ser-se humano. Buscamos incessantemente o seu sentido (os seus sentidos) que nunca agarramos por completo. É um repertório que ficará para a eternidade e que nos emocionará tanto quanto nos fará pensar. Vem isto agora a propósito do DVD que vi recentemente, onde Bernadette Peters - a intérprete de Sondheim de maior notoriedade - deslumbra o auditório do Royal Festival Hall em Londres. Espectáculo imaculado servido por sóbria e funcional realização que não desvia a atenção do essencial: canções perfeitas e interpretações que o não são menos. A vida pode não mudar quando assistimos a uma coisa destas, mas fica pelo menos em suspenso e por 90 minutos.
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