5.31.2006

Conto de Inverno (de uma imagem a outra)


















O filme de Rohmer passou ontem no Instituto Franco-Português. A arte (Rohmer) a imitar a vida a imitar a arte (Shakespeare). O visual acabou tornando-se foleiro: o filme é de 91, ainda suficientemente eighties. Mas é muito bem escrito e acaba resolvendo-se numa questão de fé. O inverosímil da ficção provou ser mais plausível do que o verosímil na vida. E eu tive prova suplementar, não passava sequer um quarto-de-hora do fim da sessão.
À noite houve ainda desejo de rever O Paciente Inglês. Questão de endurance? Não, questão de romance. De tornar a olhar em separado os episódios do deserto e do mosteiro. Interessou-me sempre e sempre me fixei sobretudo na história trágica de Almásy que nas formas das dunas antecipava o corpo de Katherine que viria a ser seu. Ontem fui também mais sensível à glosa pucciniana da música de Gabriel Yared. O whisky de malte é um tímpanodilatador dos vasos que partem (d)o coração. Experimentem os que ainda não sabem.

5.30.2006

Sá tinto


















Agora com mais tempo para os amigos. Saúde!

Fazer o caminho

"Men are OK from thirty to forty-five: if they're careful they can stay about the same. After that it's an increasing struggle because of jowl and neck lines, even if the waist can be restrained. And the bruising of repeated sexual rejection starts to show in the eyes."

Alan Clark Diaries

Imagem














Visita do Papa Ratzinger a Auschwitz-Birkenau. Imagens que contêm uma eternidade.

Sob o signo da ternura














Brown Bunny é um filme vagamente romântico que vagueia numa nostalgia amargurada. O protagonista, Bud Clay, tem pequenos gestos de ternura para com mulheres (todas têm nomes de flores), animais e podemos dizer até com a sua própria moto. E a informação sobre ele resume-se essencialmente a isso. Seguimos pela estrada - coast to coast - construindo a história de Bud com a nossa própria imaginação. Mas se a narrativa é árida como o deserto onde Bud acelera, ela é também íntima. Avança pela acumulação de pequenas catarses vividas em encontros inconsequentes (há pontos de contacto entre Brown Bunny e Broken Flowers, de Jim Jarmusch, que serão tudo menos involuntários).
Sabemos a certa altura que Bud vai ao encontro de alguém (Daisy), mas o filme mais parece constituir-se num movimento de fuga - impressão que as últimas cenas ajudam a sustentar. Este aparente paradoxo justificará também o modo apático, melancólio, lutuoso com que Bud se desloca e que contagia tudo o que ele vê e tudo o que vêmos através do olhar dele.
Se um primeiro confronto deixou-me cheio de resistências face a este Brown Bunny, todas elas agora se desfizeram. Abençoado narcisismo. Abençoada ternura.

5.29.2006

Sinatra
















Pela primeira vez em stereo em 1957. De então para cá a música popular não melhorou um décimo que seja.

Shadowlands















A vida acaba a cada instante: frente aos nossos olhos e dentro dos nossos corações. Invertendo os elementos da proposição com que o filme encerra ("The pain now is part of the happiness then"), podemos dizer que a felicidade do momento encerra a dor futura. Poderemos então optar por viver com a consciência dessa inevitabilidade ou fingir que o sofrimento pode ser eternamente adiado. Não pode. O sofrimento, tal como a morte, é o que de mais certo a vida tem. Mas até que eles se instalem, a felicidade alcançável pela amizade, pelo amor e pela mais efémera das alegrias, espreita a cada novo dia. Resta-me acrescentar que (re)vi este filme entre o espanto e a comoção, do primeiro ao último minuto.

Linhas rectas

A pressão dos lobbies - e o dos modernistas é poderosíssimo - levou a que fossem tecidas loas à Casa da Música. Não faço parte do círculo de admiradores. Por detrás destes desenhos - já em tempos falei dos bairros da Malagueira, em Évora, e no das Águas Férreas, no Porto, ambos de Siza Vieira - há qualquer coisa de penitencial. É como se os autores destes edifícios e destes bairros fossem incapazes de usufruir os prazeres da vida. (Maria Filomena Mónica)

Se existe neste mundo uma completa omnisciência estética, e uma insuportável arrogância de classe, ela pertence, por inteiro, aos arquitectos. (...) Podemos ler, ou não ler, Joyce. Podemos evitar, ou não evitar, Eliot, ou Schoenberg, ou Matisse. A nossa escolha é a nossa escolha: uma questão de gosto, às vezes intransmissível. Mas a arquitectura é, por definição, inescapável: ela impõe-se indiferentemente como realidade colectiva. (João Pereira Coutinho)

Ambos na Atlântico de Junho.

Parado no poema

REMISSÃO

Tua memória, pasto de poesia,
tua poesia, pasto dos vulgares,
vão se engastando numa coisa fria
a que tu chamas: vida, e seus pesares.

Mas, pesares de quê? perguntaria,
se esse travo de angústia nos cantares,
se o que dorme na base da elegia
vai correndo e secando pelos ares,

e nada resta, mesmo, do que escreves
e te forçou ao exílio das palavras,
senão contentamento de escrever,

enquanto o tempo, e suas formas breves
ou longas, que sutil interpretavas,
se evapora no fundo de teu ser?


Carlos Drummond de Andrade

5.25.2006

Justaposição

Optima
















Leio João Santos na revista Op com consciência de que ele é, na minha opinião, uma versão melhorada do Ricardo Saló. Considero-o das pessoas que melhor escrevem sobre música em Portugal. E depois, na Op, há ainda o Pedro Santos, o Rui Miguel Abreu, o João Lopes, o João Eduardo Ferreira. A Op chega sempre depois mas faz o balanço com tudo o que interessa. Na música, pelo menos.

Boards of Canada












Um disco mal escutado é como um crime sem castigo.

Aniversário










Charlyn Marie "Chan" Marshall nasceu a 21 de Janeiro de 1972. Mas a Cat Power original, a nossa, a maior, faz hoje 29 aninhos. Parabéns e muito mimo para ela.

5.24.2006

Londres há muito tempo atrás


















Conta Brian Master, escritor, no Guardian Unlimited:

«F.E. Smith, later the first Earl of Birkenhead, used to pause here [The Athenaeum Club] every day on his way home from the House of Commons, to urinate. After some months the porter asked if he was a member. 'Member?' asked Birkenhead. 'Do you mean this is a club, as well?'»

Futuro interrompido












Os Go-Betweens acabaram há quase duas semanas com a morte inesperada de Grant McLennan. Vem agora that striped sunlight sound (CD+DVD) confrontar-nos com a finitude do projecto sem projecto que não se previa terminasse tão abruptamente. A história dos Go-Betweens é a história da amizade entre Robert Forster e Grant McLennan. Eles fizeram tanto músicas como letras, cada qual a sua parte. E o ressurgimento de novos títulos na discografia recente - de Friends of Rachel Worth em diante - está ligado ao facto de ambos terem estabilizado em Brisbane, Austrália.
Particularmente triste é assistir à derradeira pergunta sobre o futuro da banda que corresponde ao melhor segmento do DVD no qual os dois músicos apenas, na casa de um deles, contam em entrevista a história dos Go-Betweens e pelo meio dão-nos interpretações despojadas das canções mais emblemáticos dos diferentes períodos. Naquele tempo, há um ano atrás (data da conversa e do concerto documentado), o futuro dos Go-Betweens era universo de suaves e infinitas possibilidades. Press play.

Cinema transcendental












Qual o nome do disco que Rita (Paula Guedes) guarda na respectiva capa ao minuto treze de O Bobo - obra-prima de José Álvaro Morais - quando decide abandonar Chico (Fernando Heitor)? Uma pista: é do Caetano Veloso.

Chloë






















Fotografada por Jason Schmidt.

Sevigny
















Fotografada por Peter Lindbergh.

Revisão da matéria amada


















Do mesmo modo que me sensibiliza o argumento de René Gallimard em M. Butterfly segundo o qual só um homem poderia criar a mulher perfeita (pela qual ele, René, virá a morrer), também em Boys Don't Cry de Kimberly Pierce devo reconhecer o inverso, no género, daquela argumentação. Brandon Teena (Hilary Swank), mulher travestida de homem, cria uma identidade masculina pela qual Lana (Chloë Sevigny) se irá apaixonar. Homossexualidade, heterossexualidade, levadas para um plano subtil revelam mais afinidades que diferenças. E coragem para acreditarmos nisso?

Nada sei


















"No one could say there wasn't enough sadness to go around or enough remorse to prompt the fugue of questions with wich he attempted to defend the story of his life." (pág. 95/182)

Philip Roth escreveu toda uma novela para dizer-nos que da vida pouco ou nada sabe(mos). Vindo daquele que é provavelmente o maior escritor vivo não deixa de ser um testemunho de desconcertante modéstia.

5.23.2006

Rêveries



















Gustave Courbet, L'Origine du monde, 1866.

Devaneios em francês diz-se rêveries.

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