1.06.2009

Roth e a compaixão dialética


























«But isn't one's pain quotient shocking enough without fictional amplification, without giving things an intensity that is ephemeral in life and sometimes even unseen? Not for some. For some very, very few that amplification, evolving uncertainly out of nothing, constitutes their only assurance, and the unlived, the surmise, fully drawn in print and paper, is the life whose meaning comes to matter most.» [Exit Ghost, pág. 147 da ed. Jonathan Cape, 2007]


Terminei de ler Indignation e passei logo de seguida para Exit Ghost. Indignation é um livro impressionante. Como se se tratasse de uma prova de obstáculos à qual o protagonista, Marcus Messner, acaba por sucumbir. É fácil de atingir para quem já tenha lido qualquer livro de Philip Roth, como a escrita do americano pode ser viril e enxuta, uma escrita que encurrala e que desfere golpes de desassombro e lucidez. Os livros de Roth têm uma firmeza (quase) autoritária. E bem sabemos como isso pode ser sedutor, sobretudo para os leitores do sexo masculino, sempre na ânsia de receber lições de vida de um homem mais experiente merecedor da sua admiração.
Mas Exit Ghost é um livro igualmente notável (e digo isto tendo lido dois terços das suas cerca de 300 páginas, com a convicção proporcionada por um autor que se reconhece), e creio mesmo que surpreendente. É uma obra onde Roth manifesta compaixão, embora uma compaixão dialética. A sua compaixão pelo protagonista (e imaginamos que em boa parte alter-ego), Nathan Zuckerman; e a compaixão de Zuckerman para com os outros, em particular para com Amy Bellete, uma mulher que Zuckerman desejara cinquenta anos antes e que vivera intensa paixão de quatro-cinco anos com o seu mestre de letras, E. I. Lonoff (autor fictício que é modelo de ascetismo e integridade para Zuckerman, que optou sempre por se colocar fora das mundaneidades da vida literária). Quando refiro compaixão dialética quero dizer que os sentimentos de identificação de Roth para com Nathan Zuckerman, e deste para com outros, estão tingidos daquela implacável consciência da decrepitude física e intelectual que acompanha a velhice. O sentido de que a vida se extingue de igual forma para todos nós, e que se resumirá grosso modo a um somatório de oportunidades perdidas. A vida que traz à nascença incalculável potencial, que se revela uma incontornável condenação. E para a qual as artes (daí a citação) servirão de algum modo de consolo. De reorganização da vida, de reinterpretação da vida, mais intensa e "generosa" que essa mesma vida. A arte como a vida maior que a vida. A vida amplificada à extensão do nosso ego. A escrita de Philip Roth.

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