1.13.2009

Companhia da música













É para meu grande prazer que algo que comigo estabelece total harmonia não deixa de se renovar lá por casa. Nestes dias frios em que o trabalho me tem enclausurado até nos fins-de-semana, a rara fonte de calor além de um modesto aquecedor a óleo vem da música que deixo em fundo até fazer corpo com tudo o resto que me rodeia. Esta capacidade quase camaleónica dos sons está ao alcance de poucos, e foram poucas as presenças e prolongadas as reincidências. Sobre o CD de Brian Eno de que possuo apenas uma cópia (das poucas que me permito usufruir) dado que se trata de edição limitada a 500 exemplares, nada tão apropriado como as palavras do autor para definir o extraordinário documento (outro exemplo do pioneirismo de Eno que nos deixa estupefactos): «I was thinking of the sound less as music and more as sculpture, space, landscape, and of the experience as a process of immersion rather than just of listening.»
O disco de Koen Holtkamp, Field Rituals, veio ao meu encontro por intermédio de um cruzamento de referências. Nesta altura do ano tão propícia a balanços e listas, fui descobri-lo numa via paralela que não recordo mais. Sendo da Type (dos Deaf Center, de Sylvain Chauveau, de Xela) a garantia de qualidade era forte. Mas este título de Koen Holtkamp em muito supera as expectativas de um devoto da drone music como sou. 2008 não foi generoso em descobertas nesta área, antes serviu para a reconfirmação de nomes já integrados. Field Rituals é um CD excelente que reúne linguagens várias que vão do drone à recolha de ambientes sonoros (naturais), passando pelo registo de instrumentos como piano e guitarra usados com técnica e sensibilidade, tudo organizado num alinhamento que se aproxima do carácter abstracto da música ambiental e do neo-classicismo. Holtkamp é protagonista quase absoluto, um músico completo na linha de um Max Richter cruzado com um Marsen Jules. Se houver justiça e ouvidos alerta, iremos ter mais notícias dele.
Para encerrar deixo novo território familiar, um disco de Clive Wright com Harold Budd que recupera colaborações entre os dois músicos ocorridas em anos recentes. Os temas não são novos, mas serão novidade para o vasto auditório onde me incluo. O que Harold Budd e Clive Wright levam à prática passa bastante pela recuperação dos resultados gerados pelo encontro de Brian Eno com Robert Fripp nos incontornáveis No Pussyfooting e Evening Star, mas agora emoldurados com acrescidas liberdades poéticas. O esqueleto é quase todo ele comum, só que Budd e Wright tratam de perfumá-lo com outro aparato. Eu gosto muito, embora reconheça que há um lado bonitinho que pode afastar os «ambientalistas» de barba rija. E gosto exactamente por se tratar de música aromática que preenche lentamente os espaços que cerca e que revela um grau apurado de sofisticação e de recriação a partir de estruturas consolidadas. Se conhecermos o que veio antes deste A Song for Lost Blossoms é natural que possamos recebê-lo sem exaltação mas com (algum) entusiasmo.

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