1.19.2009

Orfeu negro


















Déjà Vu de Tony Scott comete o arrojo de fazer do passado presente, e do presente uma possibilidade de corrigir o passado. A explicação científica é menos importante (relativamente à virtualidade que o filme equaciona) e envolve tecnologia que permite comprimir as faixas temporais por intermédio do registo do tempo efectuado a partir de uma rede de satélites. O que realmente importa é a narrativa, e a tensão que Scott gere de modo prodigioso. Ele tem de mexer no fundo com três histórias (plots) que naturalmente se interceptam: o golpe terrorista, a trama científica e a história de amor insinuada no momento em que o polícia Doug Carlin (Denzel Washington, só! o mais carismático leading man e um tremendo actor) olha as imagens de satélite que reportam a dias atrás quando Claire Kuchever - a vítima do caso que ele está a investigar - estava ainda viva. Mas ela está viva! E é a possibilidade de interferir no destino de Claire que Doug arriscará no final. Qual Orfeu partindo ao resgate da sua Eurídice, Doug Carlin atravessará para um tempo já "morto" (o passado) para trazer a mulher que ama para o mundo dos vivos (o presente). Déjà Vu põe em filme a tensão criada entre o curso de eventos que tem forte tendência para se realizar, e a curta margem de intervenção para a inversão desse mesmo fluxo. E é incrível como a obsessão com o detalhe, com o fragmento, por parte de Tony Scott (a desmultiplicação de planos é uma constante nos seus filmes: profundamente estilizados e ocasionalmente redundantes), permite verificar como a lógica causal se reorganiza para dar coerência ao todo. Como se o regresso de Carlin ao passado fizesse de alguma forma parte do seu actual presente, antes de ele ter agido sobre aquele. Confusos? É uma belíssima e radical história de amor, e isso é que fica.

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