Isto é o limite. Onde o despojamento não compromete a sofisticação. Simples e perfeito.
Pairava sobre a actuação de David Sylvian no Teatro Circo, em Braga, o fantasma das complicações de saúde que tinham levado ao cancelamento de algumas datas, Lisboa incluída *. A escassas horas do início do espectáculo, o produtor não estava seguro de que o mesmo se viesse a realizar. Levantei o meu bilhete ao final da tarde. Reconheci o irmão de Sylvian – Steve Jansen – e dirigi-me a ele no meio da rua. Cumprimento instintivo – o estender da mão de um que leva ao entender da mão oposta – e breve referência ao facto de ter vindo a escutar na viagem o seu novo disco – Slope, da Samadhi Sound – que adjectivei (as poucas palavras tomando já controlo sobre o meu próprio pensamento) de “lovely”.
E o concerto? Usei de início os termos “limite”, “simples” e “perfeito”. Não me ocorrem outros melhores que estes. No palco encontravam-se os quatro músicos que a promoção prometia: além do muito belo David Sylvian, franzino e elegante, estavam o seu irmão (o entretanto meu “conhecido” Mr. Jansen), Keith Lowe (ou melhor, “Kilt” Lowe, piada para os que estiveram lá!), e Takamura Watanabe, a versão rejuvenescida de Ryuichi Sakamoto (não se iludam; o espectáculo não fez concessões em demasia e Sylvian não cantou o seu “leãozinho” que, sabem todos bem, e muitos não se cansaram de pedir, chama-se Forbidden Colours). Hora e meia a abrir e fechar os olhos – quanto mais fechados mais os ouvidos se abriam à música e à VOZ – para escutar um alinhamento composto em cerca de dois terços por canções do período Dead Bees On a Cake em diante **. A impressão que fica é que a tournée The World is Everything, apesar da simbólica colher de chá para o saudosismo dos fãs, projecta cuidadosamente o rompimento definitivo com o património lírico anterior à criação por parte de David Sylvian da sua casa de edição. A memória que guardamos mais forte deste concerto, prende-se com os temas de Blemish e de Snow Borne Sorrow, do projecto Nine Horses. Os recuos mais acentuados foram pontualíssimos: gratificantes para a plateia, embora de menor intensidade interpretativa; funcionaram como interlúdios (pontos de passagem) para a travessia da obra que responde pelo passado recente da discografia de David Sylvian.
No entanto, nem por isso esquecerei as versões estruturalmente acústicas de Ghosts e de Before the Bullfight, por exemplo(s). Deu-se o encontro. Cumpriu-se em mim o ritual numa espécie de êxtase dormente. Cheguei a acreditar por momentos que me encontrava a escutar aquela música no espaço íntimo de minha casa, para em seguida abrir os olhos para a multidão de silhuetas sentadas e para as quatro figuras, recortadas num fundo abstracto, e atravessadas por feixes de luz, ora azul ora violeta. Foi muito bom. Sylvian não perdera a voz (como alguns melhor informados receavam) que se fez ouvir até aos dois encores que estavam no programa: onde voltou a imperar o CD Dead Bees On a Cake. Seguiu-se a espera, e a certa altura éramos só três os resistentes. E depois veio o meu momento Ricky Gervais da noite (ou talvez não). Sylvian acabou saindo pela porta principal do Teatro Circo, na companhia do irmão, da mulher e do filho deste (que seguia adormecido). A noite arrefecera, o homem estivera doente, não tive coragem – ao vê-lo passar a menos de um metro à minha frente – de lhe dirigir mais do que um “good evening”. Sylvian olhou, sorriu e agradeceu (o facto de termos permanecido ali à espera dele?!), entrando no carro que arrancou de imediato. Tive direito ao breve cruzar dos nossos olhares. Terá sido pouco. Acredito que nos entendemos, no nosso (no meu consideravelmente maior) pudor e também nas prioridades de cada um. Terá sido muito. Foi isto o limite.
* Foi o próprio tour manager de David Sylvian, Patrick, que nos garantiu ser quase impossível a realização em nova data do concerto cancelado do CCB. Não sei por quanto mais tempo guardarei os meus bilhetes…
E o concerto? Usei de início os termos “limite”, “simples” e “perfeito”. Não me ocorrem outros melhores que estes. No palco encontravam-se os quatro músicos que a promoção prometia: além do muito belo David Sylvian, franzino e elegante, estavam o seu irmão (o entretanto meu “conhecido” Mr. Jansen), Keith Lowe (ou melhor, “Kilt” Lowe, piada para os que estiveram lá!), e Takamura Watanabe, a versão rejuvenescida de Ryuichi Sakamoto (não se iludam; o espectáculo não fez concessões em demasia e Sylvian não cantou o seu “leãozinho” que, sabem todos bem, e muitos não se cansaram de pedir, chama-se Forbidden Colours). Hora e meia a abrir e fechar os olhos – quanto mais fechados mais os ouvidos se abriam à música e à VOZ – para escutar um alinhamento composto em cerca de dois terços por canções do período Dead Bees On a Cake em diante **. A impressão que fica é que a tournée The World is Everything, apesar da simbólica colher de chá para o saudosismo dos fãs, projecta cuidadosamente o rompimento definitivo com o património lírico anterior à criação por parte de David Sylvian da sua casa de edição. A memória que guardamos mais forte deste concerto, prende-se com os temas de Blemish e de Snow Borne Sorrow, do projecto Nine Horses. Os recuos mais acentuados foram pontualíssimos: gratificantes para a plateia, embora de menor intensidade interpretativa; funcionaram como interlúdios (pontos de passagem) para a travessia da obra que responde pelo passado recente da discografia de David Sylvian.
No entanto, nem por isso esquecerei as versões estruturalmente acústicas de Ghosts e de Before the Bullfight, por exemplo(s). Deu-se o encontro. Cumpriu-se em mim o ritual numa espécie de êxtase dormente. Cheguei a acreditar por momentos que me encontrava a escutar aquela música no espaço íntimo de minha casa, para em seguida abrir os olhos para a multidão de silhuetas sentadas e para as quatro figuras, recortadas num fundo abstracto, e atravessadas por feixes de luz, ora azul ora violeta. Foi muito bom. Sylvian não perdera a voz (como alguns melhor informados receavam) que se fez ouvir até aos dois encores que estavam no programa: onde voltou a imperar o CD Dead Bees On a Cake. Seguiu-se a espera, e a certa altura éramos só três os resistentes. E depois veio o meu momento Ricky Gervais da noite (ou talvez não). Sylvian acabou saindo pela porta principal do Teatro Circo, na companhia do irmão, da mulher e do filho deste (que seguia adormecido). A noite arrefecera, o homem estivera doente, não tive coragem – ao vê-lo passar a menos de um metro à minha frente – de lhe dirigir mais do que um “good evening”. Sylvian olhou, sorriu e agradeceu (o facto de termos permanecido ali à espera dele?!), entrando no carro que arrancou de imediato. Tive direito ao breve cruzar dos nossos olhares. Terá sido pouco. Acredito que nos entendemos, no nosso (no meu consideravelmente maior) pudor e também nas prioridades de cada um. Terá sido muito. Foi isto o limite.
* Foi o próprio tour manager de David Sylvian, Patrick, que nos garantiu ser quase impossível a realização em nova data do concerto cancelado do CCB. Não sei por quanto mais tempo guardarei os meus bilhetes…
** Alinhamento: Wonderful World ("Snow Borne Sorrow" Nine Horses), It’ll Never Happen Again (Tim Hardin), World Citizen ("World Citizen EP" David Sylvian + Ryuichi Sakamoto), The Day the Earth Stole Heaven ("Snow Borne Sorrow" Nine Horses), Ride ("Everything and Nothing" David Sylvian), Playground Martyrs/Transit ("Slope" Steve Jansen/ "Venice" Fennesz), Fire in the Forest/Ghosts ("Blemish" David Sylvian / "Tin Drum"" Japan), Snow Borne Sorrow ("Snow Borne Sorrow" Nine Horses), Mother & Child ("Brilliant Trees" David Sylvian), Waterfront ("Brilliant Trees" David Sylvian), Atom & Cell ("Snow Borne Sorrow" Nine Horses), Sugar Fuel ("Bold" Readymade), Brilliant Trees/ Before the Bullfight/ Nostalgia/ Before the Bullfight ("Brilliant Trees" David Sylvian/ "Gone To Earth" David Sylvian),The Librarian ("Snow Borne Sorrow" Nine Horses)
(encore 1) Every Colour You Are/ River Man ("Rain Tree Crow" Rain Tree Crow/"Gone To Earth" David Sylvian)
(encore 2) Wanderlust ("Dead Bees On a Cake" David Sylvian)
(encore 1) Every Colour You Are/ River Man ("Rain Tree Crow" Rain Tree Crow/"Gone To Earth" David Sylvian)
(encore 2) Wanderlust ("Dead Bees On a Cake" David Sylvian)