4.29.2012
'Rafa', de João Salaviza (IndieLx 2012)
Rafa é um objecto alinhado com o que de mais relevante aconteceu no cinema português da segunda metade do século XX, sobretudo com os autores que despontaram e se afirmaram nos anos 90. Existe nele a poesia nocturna dos primeiros filmes de Pedro Costa, em particular de O Sangue e de Ossos. Há também a expressividade pelo corpo em permanente movimento como n'Os Mutantes, de Teresa Villaverde. Existe também a atracção pelo real tangente à marginalidade como no cinema de João Canijo. Mas este real, relativamente ao cinema português, obriga-nos a recuar até ao Cinema Novo e aos filmes de Paulo Rocha e de Fernando Lopes, para dar só dois exemplos. Se isto não fosse suficiente, encontramos também aqui o tema da aliança estabelecida por dois irmãos que ao mesmo tempo são jovens obrigados a crescer depressa, substituindo-se pela entreajuda aos pais, ausentes ou negligentes. Assunto recorrente num certo cinema português da responsabilidade de jovens realizadores: dos já referidos e de outros ainda.
Este foi o primeiro filme que vi de João Salaviza e corresponde à sua mais recente curta-metragem. Encontrei um realizador na preciosa acepção da palavra. Na escolha dos enquadramentos, na capacidade de montar no interior do próprio plano (é assim o começo de Rafa), na intencionalidade da montagem (os seus diferentes usos e recursos, como na cena do interrogatório na esquadra de polícia com o negro que dá conta do tempo que passa), no trabalho com o fora de campo (a câmara está quase sempre com Rafa e é solidária com a vontade do protagonista, e o som várias vezes faz o resto), nas durações de cada plano e na forma como isso nos faz interpretar as intenções do filme. Rafa regista um processo de crescimento em acelerado. O rapaz que quer trazer a mãe de volta a casa, e que para isso se dirige da margem sul para Lisboa onde ela se encontra detida, acaba com um bebé nos braços, como que para sinalizar por último a ambiguidade do seu estatuto. Rafa é ainda um jovem que as circunstâncias obrigam a que seja adulto. A juventude roubada a Rafa é o tema principal deste filme de João Salaviza.
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