4.16.2012
Como falar com os mortos
O filme é até bastante normalizado. Não se lhe encontram tantos focos particulares de interesse assim. No entanto compensa a atitude disponível porque eles estão lá e preenchem o tema fundamental que percorre todo o filme. Falo de Comprámos um Zoo!, de Cameron Crowe, e esse tema é o luto da principal personagem, Benjamin Mee (Matt Damon), e dos seus dois filhos, pela morte da mãe e mulher.
Em Tabu, de Miguel Gomes, existe um explorador que reencarna no crocodilo (melancólico) que o havia devorado e que deste modo se reúne com o fantasma da mulher falecida antes dele. Em O Tio Boonmee que se Lembra das suas Vidas Anteriores, de Apichatpong Weerasethakul, é a figura do filho há muito desaparecido que regressa serenamente uma noite para junto da família, assumindo a fantasmática representação de um macaco peludo (episódio aliás que poderá ter inspirado um sonho em particular da Aurora idosa no filme de Gomes). Agora em Comprámos um Zoo! a metáfora é menos directa. A metáfora da representação daquilo que pode continuar a existir dos que partiram já. Um tigre envelhecido de 17 anos precisa de ser abatido, pois está a sofrer. A decisão cabe ao proprietário do Zoo, Benjamin. Quando este se despede do animal é como se finalmente aceitasse a morte da mulher, e só uma vez aceite o facto é possível a segunda e mais importante aceitação: a de que ela possa continuar a existir do lado da família. Nas suas imagens, naquilo que lhe pertenceu (como a camisola que Benjamin veste a dada altura), e nos lugares que fazem parte de memórias que em se actualizando regressam à vida.
E assim um filme bastante normalizado transforma-se por momentos em mais qualquer coisa. Alguém aprende a falar com os mortos, aquilo em que verdadeiramente consiste o processo do luto. Falarmos com os nossos mortos para nos ouvirmos a nós próprios.
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