4.27.2012

Amar o fracasso

























«E, todavia, mantivemos o nosso ritual até muito tarde, eu e o meu pai – até depois, inclusive, de eu já viver em Lisboa –, de assistir aos jogos ao vivo e, aliás, trazer no bolso um cartão de sócio do Sporting, que a dado momento passara a guardar no primeiro separador da carteira, onde os heróis usam o distintivo e os mortais, à falta de melhor, enfiam o passe social. Todos os sábados à noite, vivendo eu na ilha ou estando lá de férias, já adulto, nos púnhamos ambos em frente ao televisor, na cozinha fria de São Bartolomeu, os dois com um cachecol verde e branco ao pescoço, os dois engolindo malgas de pipocas com a avidez de quem rói as unhas, os dois correndo para a enorme bandeira leonina pendurada a um canto quando, por absurdo, um dos nossos marcava golo. E, quando nos abraçávamos, era como se realmente estivéssemos em Lisboa, em pleno Campo Grande, nas próprias bancadas do Estádio José de Alvalade, fundidos naquela multidão que celebrava, também ela, o tímido raio de sol que a iludia.
Habituados a perder, restou-nos amar o fracasso, o que tinha o seu mistério.»

Arquivo do blogue