Inpossível não sentir o apelo à mistificação ou desmistificação de um objecto como Valhalla Rising (2009). O próprio realizador, o dinamarquês Nicolas Winding Refn, se encarrega de ser o primeiro a carregar esta aventura – a de um homem "sem nome" tornado escravo de um grupo de bárbaros que se distraem a vê-lo lutar com outros prisioneiros, que se libertará do cativeiro para ir juntar-se a um pequeno exército de vikings cristãos que vão a caminho de Jerusalém... – de um misticismo feito da valorização atribuída aos cenários naturais, da escassez de diálogos ou de qualquer outra contextualização, e de um trabalho com as imagens que resulta num hiper-materialismo hi-tech que sugere a fusão do Honra de Cavalaria de Albert Serra com um qualquer sucedâneo do Gladiador de Ridley Scott. Outra classificação possível é a de naturalismo gráfico.
A dúvida estende-se para além do tempo que dura o filme. Existirá alguma coisa para lá da fachada do "thinking man's action movie" que estivemos a ver, ou por outro lado a tradução da linguagem estilizada de Winding Refn junto com a bolha temporal onde Valhalla Rising se desenrola (cheia de subjectivismos hieráticos e herméticos) uma vez perfurada fará com que o edifício vistoso e brutal se esboroe na sua insignificância última?
Antes de ambicionar pelas conclusões derradeiras, importa responder a algumas questões. Qual a história contada pelo filme de Nicolas Winding Refn? A de uma vingança dirigida à humanidade, representada aqui pelo seu lado obstinado, cruel e primitivo? Ou a da redenção impossível de um homem a que apenas resta a possibilidade de escolher o momento e o modo como vai morrer? Inclino-me mais para a segunda leitura, que se liga directamente com a jornada inglória dos cristãos, cujas debilidades físicas e mentais farão deles presa fácil para a tribo que à imagem da cruz de Cristo responde com armas de pau, pedra e osso.
Antes de ambicionar pelas conclusões derradeiras, importa responder a algumas questões. Qual a história contada pelo filme de Nicolas Winding Refn? A de uma vingança dirigida à humanidade, representada aqui pelo seu lado obstinado, cruel e primitivo? Ou a da redenção impossível de um homem a que apenas resta a possibilidade de escolher o momento e o modo como vai morrer? Inclino-me mais para a segunda leitura, que se liga directamente com a jornada inglória dos cristãos, cujas debilidades físicas e mentais farão deles presa fácil para a tribo que à imagem da cruz de Cristo responde com armas de pau, pedra e osso.
Valhalla Rising está dividido em seis capítulos, e é nos dois últimos onde se torna mais sensível a influência do Aguirre (1972) de Werner Herzog. A própria música concorre para as tomadas de vista que sugerem a alucinação que se apodera dos homens ao chegarem à terra nova, estranha e hostil, também figurada pelas formas como o espaço natural os vai marcando antes de os engolir: antes que venham a tornar-se silhuetas sem vida e quase imperceptíveis na paisagem. Quando Aguirre foi concretizado o cinema não dispunha das possibilidades do digital de que Winding Refn tira partido com um sentido visceral e poético. Existem vários momentos, nem todos dependendes das inserções vincadamente alegóricas, que fazem de Valhalla Rising o fragmento de uma época remota que nos chega mais como visão e menos como narrativa. O filme tem coisas bastante fortes, a começar pelo actor principal, Mads Mikkelsen (lembra Viggo Mortensen com a vantagem de ser para muitos um desconhecido), cuja presença assenta num total mutismo e numa fisicalidade exuberante, e que Winding Refn filma de perfil, em ângulos opostos, consoante quer dar a ver o homem (que morre como tal) ou o mito (que vivera enquanto tal).