6.09.2011

Eles nunca recordarão Paris














É preciso começar por fazer justiça. Quase em simultâneo com o surgimento da série televisiva Mad Men (2007), o filme de Sam Mendes, Revolutionary Road (2008), permitiu que olhássemos para os anos 50 com a psicologia e as angústias do nosso tempo. Ou então terá sido sempre assim, e a justiça estende-se aos homens de há cinco décadas atrás nossos semelhantes, se não na aparência pelo menos de facto interiormente.
O que acontece em Revolutionary Road, na noite do fracasso da peça de April (Kate Winslet), que levará à primeira discussão com o marido, Frank (Leonardo DiCaprio), é o espectador perceber que a relação está condenada antes de o casal ter essa percepção. Um espectador mais alheado das forças várias que concorrem para o fatalismo nas relações amorosas, terá forçosamente que despertar mais tarde com a chegada ao filme dessa grande personagem que é John (Michael Shannon), o filho do casal que alugou a casa de Revolutionary Road ao jovem par Frank e April Wheeler, um matemático que regressa do internamento numa instituição psiquiátrica onde sofreu dezenas de tratamentos com choques eléctricos. Se por um lado as suas faculdades emocionais ficaram soterradas com a terapia, por outro apresenta-se como figura de extrema lucidez que expõe a mentira da relação de Frank e April (ele refém da história profissional do pai que procura vingar pela superação; ela encurralada numa existência banal em tudo oposta aos seus sonhos de realização intelectual cosmopolita).
John é um exemplo literal, e a sua denúncia, daquilo que a vida produz nos indivíduos cuja personalidade é mais vincada e menos submissa. Um conjunto de "choques eléctricos" que progressivamente os encaminha para a normalidade resignada ou a pura extinção. Proeza do livro de Richard Yates que o argumento do filme não descura é dar a ver os efeitos da resistência a essa resignação colectiva na personagem de Kate Winslet, que por momentos parece considerar alinhar na farsa da dona de casa modelo. Mas o horizonte de Paris mostra-se superior a ela, essa viagem que o casal pensou fazer para mudar de vida e que será para sempre adiada. Paris representa o modo como os Wheeler se vêem a si próprios e como são vistos pelos outros (um casal suburbano mais sofisticado que os vizinhos); Revolutionary Road acaba por se impôr como a única coisa que alguma vez serão. Choque após choque, desilusões e infidelidades secretas ou confessadas, uns adaptam-se à farsa a que outros socumbem. A derradeira cena de Revolutionary Road mostra-nos os pais de John ao serão, a mãe que se refere aos novos proprietários da casa dos Wheeler e o pai que desliga o aparelho de audição para se evadir da conversa da mulher. Será preciso acrescentar mais alguma coisa?

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