10.14.2009
'Manafon' e os seus luxos
Coube-me a sorte de ser um entre os dois mil eventuais destinatários da edição "Deluxe" do novo David Sylvian, entretanto esgotada. Eu cobiçava o objecto fosse este o que fosse, e pouco sabia do que era realmente. Sabia que o DVD contendo o filme Amplified Gesture apenas tinha David Sylvian na função de produtor-executivo. Não havia imagens de Sylvian... hélas. O que vim a descobrir é que Amplified Gesture funciona como introdução aos principais colaboradores sonoros de Manafon, e que foi registado a preto-e-branco entre a Áustria, Inglaterra e França. A ausência de David Sylvian sai como que compensada pelos rostos e palavras de Evan Parker, Keith Rowe, Christian Fennesz, Otomo Yoshihide, entre outros, no que se revela uma apresentação pessoal e esclarecedora daquilo que reporta ao contexto da música improvisada enquanto exploração individual e trabalho colectivo.
É interessante observar em Amplified Gesture como são diversos os testemunhos dirigidos a uma realidade sobre a qual tendemos igualmente a generalizar. Os depoimentos reunidos, escassos em focos de distração, vão desde o puramente factual até ao desconcertamente ingénuo. No fundo percebemos que por detrás de cada músico existe uma história que em parte condicionou o seu percurso artístico, no que vem a ser o principal triunfo desta realização de Phil Hopkins: a paridade dos corpos, das vozes e da experiência de cada protagonista; dar a conhecer na medida do possível (o filme dura 55 min.) as personalidades que estão na origem dos sons espectrais que preenchem a moldura electro-acústica de Manafon, e paradoxalmente confirmar a mais espectral de todas as presenças na pessoa de David Sylvian, o último criador de Manafon, também o seu originador, e muito sintomaticamente aquele que optou por estar presente pela ausência em Amplified Gesture. Como se essa atitude de subtração permitisse alargar a ressonância das presenças dos seus colaboradores.
Quanto os restantes materias da edição "Deluxe" importa notar a sua beleza integral algo austera mas sólida, toda ela concebida por Chris Bigg; a possibilidade que confere de acompanharmos a audição de Manafon ao mesmo tempo que lhe lemos as palavras (porque se trata de dois livros autónomos embora complementares), concentrando nelas maior atenção; a inclusão de uma impressão de grande qualidade do desenho de David Sylvian (ver imagem) da autoria de Atsushi Fukui, autografado por ambos; e para mim a particular experiência permitida pelo facto do DVD trazer a música de Manafon formatada para vários modelos de reprodução sonora, que ouvi a partir do televisor e que mexendo com a minha percepção ajudou a clarificar as relações entre os seus elementos. Ali fiquei sentado na frente do pequeno ecrã com a imagem estática que corresponde à capa do CD, o animal imóvel em fundo assim como imóvel permaneceu a floresta que o rodeava, os sentidos movendo-se por entre as figuras gráficas e musicais ao dispor. Nos tempos actuais marcados pela multiplicação da oferta e consequente dispersão, dedicarmos a atenção que nos pede um objecto como a edição "Deluxe" de Manafon representa o derradeiro luxo.
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