5.09.2011
Icebergue Paul
Rodrigo García, realizador/argumentista do filme ainda em cartaz Mother and Child, reentra no meu quotidiano na qualidade de argumentista/realizador de In Treatment. A série da HBO adapta um formato israelita de grande sucesso naquele país e faz corresponder a cada episódio um paciente, um horário e dia da semana, estando a sexta-feira reservada ao encontro do terapeuta (Gabriel Byrne) com a sua antiga supervisora (Dianne Wiest): para quem não está familiarizado com estas categorias profissionais, o supervisor é um terapeuta mais experiente com quem são discutidos os casos em análise.
Durante um período significativo na minha vida habituei-me a ouvir falar de terapia, psicanálise, analistas e supervisores, e eu próprio me subtemi a um acompanhamento semanal breve. Tinha as minhas ideias pré-concebidas sobre o assunto e alguns aspectos da prática do dr. Paul Weston surpreenderam-me. Primeiro o facto do local onde recebe os pacientes ter vários elementos que permitem perceber os seus interesses e até a sua vida familiar (a fotografia de um filho é algo que eu jamais pensei que pudesse existir naquele lugar). Depois a questão de o próprio Paul dar determinado acesso à sua intimidade quando conversa com os pacientes; sim porque se trata de uma terapia dinâmica e não aquilo que corresponde ao estereótipo de alguém se limitar a falar para outro se limitar a ouvir (não se deixem iludir pela frase promocional que diz "he's listening"; é bem mais que isso). Por último a curiosidade de perceber como a série sustenta um contexto tão gerador de tempos mortos ou impasses, como pressupõe o contrato a que obriga uma situação de terapia. Nem sempre há algo para dizer, muito menos algo de relevante, e é claro que nenhuma ficção sobrevive se não motivar o interesse e a curiosidade do espectador.
Alguns episódios de In Treatment andam muito perto de corresponder ao tempo real: meia-hora de vida para 30 minutos de televisão. É fácil suspeitar que a série é mais sobre o dr. Paul Weston do que sobre os seus pacientes. Aliás isso torna-se óbvio a partir do momento em que ele reencontra Gina, a supervisora, cerca de oito anos depois de ter deixado abruptamente de aparecer. Um pouco como se os casos semanais fossem a ponta do icebergue Paul Weston que se desvenda mais profundamente a cada sexta-feira. Se me começarem a ouvir falar ou escrever como um analista, a culpa é de Paul, o icebergue.
São ainda as grandes figuras masculinas que dominam as melhores produções televisimas americanas. Veja-se outros exemplos em Don Draper (Mad Men), Al Swearengen (Deadwood) ou Jimmy McNulty (The Wire). Dir-se-ia que as personagens femininas, por interessantes que sejam, estão lá para os deixar falar ("they're listening").
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