5.19.2011

Alex, eu, e os outros
















Cheguei a dizer que Alex "era eu", fantasia construída com base nas primeiras consultas do paciente das terças-feiras às dez da manhã. Alex é um aviador da marinha, piloto de F-16, treinado para missões de risco, a gozar baixa médica após ter sido vítima de um ataque cardíaco que está relacionado com o remorso decorrente da operação onde morreram civis iraquianos sob o seu fogo. Ele entra na sexta semana de consultas após quase se ter pegado à pancada na sessão anterior com Paul, que provocou com factos da vida privada do analista num tom de desprezo. Digo eu: existem poucas coisas tão comoventes como a vulnerabilidade de um homem forte. Digo-o com a convicção de que não suscito comoção equivalente e com a consciência das minhas fraquezas.
Alex fala de um sonho que o próprio interpreta como se tivesse reprimido ao longo da vida uma orientação sexual gay, a coisa que o seu pai provavelmente mais deprezaria. Conta depois um episódio de quando tinha 11 anos e foi brutalmente agredido por um rapaz que o roubou. Ao denunciar a agressão ao pai, este igualmente lhe bateu, tratando de o inscrever numa classe de artes marciais, daquelas libertas de ensinamentos para a vida onde se aprende somente a bater. Alex dedicou-se com afinco até que se vingou em alguém que as suas mãos deixaram irreconhecível ("beaten to a pulp").
Nunca apanhei de ninguém a pontos de sentir humilhação. Pratiquei artes marciais (várias) que é uma forma cordata e controlada de testar as nossas capacidades. Vivo hoje ainda com o medo e a insegurança de não saber o que temo mais: se apanhar na cara ou bater em alguém descontroladamente. Soube sempre manter-me fora dos conflitos que previa viessem a surgir. Desloco-me com os sentidos alerta, sobretudo por sítios que não conheço. Das poucas vezes que sovei rapazes, acabei a chorar sobre o facto consumado. Vivo coagido pelas impressões que outros possam ter de mim (daí este blogue?!), deixando para segundo plano a pessoa que de facto sou. A inquietação deve ser comum a muita gente (muitos bloggers...), muitos homens, e é também o que me aproxima de Alex: a vertigem das expectativas; a masculinidade como desígnio e condenação. Perseguirmos aquilo que pensamos que devemos ser e não aquilo que somos. Forçamo-nos a um estereótipo em vez de investir por sermos o "nosso próprio homem". O nosso próprio Alex.


Alex é a personagem da série In Treatment interpretada por Blair Underwood.

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