Num dos extras da edição DVD de Eastern Promises/ Promessas Perigosas, de David Cronenberg, o actor Viggo Mortensen relata a experiência de preparação para interpretar um motorista da Máfia Russa em Londres, e explica como a história de vida dos seus elementos, tradicionalmente regidos por um código apertado (o dos vory v zakone), se encontra inscrita nas tatuagens que preenchem os corpos. Muitas feitas na prisão e que marcam episódios de roubo ou homicídio, outras que assinalam rituais de promoção na hierarquia do grupo. Mortensen diz ainda que se algum ladrão forjasse as suas tatuagens e fosse descoberto, que estas lhe seriam arrancadas do corpo com uma faca semelhante às que o filme de Cronenberg mostra e que servem para degolar rivais. Os episódios que dão conta da relevância que as tatuagens assumem no universo da Máfia Russa vieram a influenciar a reescrita do argumento, ou não fosse Cronenberg um entusiasta do que diz respeito à contaminação, mutilação e transformação do corpo, e do modo como exteriorizamos processos de metamorfose particular e íntima. Nota-se que gostei muito de rever Promessas Perigosas, e parte da experiência gratificante que agora tive tem também a ver com o facto de ter identificado uma costela bíblica na história da bebé que por duas vezes é salva de morrer antes de se tornar filha (adoptiva, logo, de imaculada concepção para a segunda mãe) da enfermeira Anna, que lhe dará o nome de Christine (com alguma boa vontade pode ler-se Cristo em Christine). Quanto à personagem de Viggo Mortensen, o implacável taciturno Nikolai Luzhin, de improvável par de Anna (Naomi Watts), coisa que Cronenberg só muito ligeiramente sugere, terminará só e todo poderoso como um deus que tivesse ascendido a essa categoria independentemente da sua real vontade. Um deus que poderá doravante manter a própria história coberta da cabeça aos pés.
12.03.2008
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