12.16.2008
O amor em tempos de crise
«Duas ou três por semana viajavam, contou-nos uma tarde, enquanto tomávamos a bebida dos fins-de-semana. A coisa passava-se da seguinte maneira: tinha comprado dois assentos de avião em segunda mão, desses que os Transportes Aéreos vendem em saldo para fazer um dinherinho extra. De vez em quando, às nove da noite, colocavam-nos em frente à televisão e instalavam-se. A mulher abria uma coca-cola e ele entregava-se a uma tónica. Viajavam em classe turística e não tinham direito a bebidas alcoólicas, excepto uma ou outra vez em que estavam mais abonados. À meia-noite aterravam. Fechavam a televisão e iam até à cozinha. Conforme a terra a que tinham chegado, assim Raina preparava o prato especial. Havia noites de sopa de cebola com arenque no molho, noites de hamuss bi tahine, de borsch, até de feijoada com laranja, cachaça e tudo. Às três da manhã, após terem discutido todos os problemas do país na língua do mesmo, claro, e admirado a vista pela janela, empanturrados, saíam do restaurante exótico e iam para o hotel, isto é, para a cama. Na manhã seguinte, felizes, beijavam-se e seguiam para as respectivas tarefas profissionais.»
[BABELITE ou SEGISMONDO O BABÉLICO, de Mário-Henrique Leiria, in Contos do Gin-Tonic.]
embora prefira passagens como esta:
«Conversámos todos ao mesmo tempo, durante bastante tempo. Bebemos também quase ao mesmo tempo, enquanto falávamos ao mesmo tempo.
Saímos de madrugada, com mais abraços e algumas incertezas quanto à porta do elevador.»
[do mesmo]
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