12.09.2008

Europa profunda




















As geografias de Arve Henriksen e de David Sylvian ter-se-ão interceptado mutuamente por alturas da constituição do projecto Nine Horses, que faz alinhar também o irmão de Sylvian, Steve Jansen, e o mago da polirritmia electrónica, Burnt Friedman. Sylvian encontrou em Henriksen uma sensibilidade próxima de outro músico enorme, igualmente trompetista, igual experimentador dos resultados decorrentes da transformação de sons acústicos por via das electrónicas, que é Jon Hassell, que com Sylvian havia participado no arranque da discografia a solo deste. Henriksen colaborou recentemente na criação do ambiente sonoro, conduzida por David Sylvian, que após utilização numa instalação de arte contemporânea na ilha japonesa de Naoshima veio a conhecer edição discográfica. Arve Henriksen, por sua vez, foi constituindo assinalável discografia na Rune Grammophon, espécie de ECM das identidades musicais vanguardistas do norte da Europa, até que em 2008 é na própria ECM que edita Cartography, onde reúne aos mais regulares cúmplices o nome de David Sylvian (que lê textos seus que evocam simultaneamente uma vontade de evasão e um desejo de comunhão num qualquer espaço tão retirado do mundo que possibilite que a união se dê harmoniosamente aos níveis físico e espiritual).
























A materialidade dos sons e a sua evanescência na espiritualidade do conjunto que é a música, é o que se dá a escutar em Cartography, e se por um lado é um trabalho reconhecível na evolução da discografia de Arve Henriksen, as múltiplas contribuições aqui reunidas e o modo como as mesmas foram integradas em cada composição, reflectem a maior complexidade mas não menor fluidez do estado actual da (re)composição de Arve Henriksen: algo que poderíamos situar entre Arvo Pärt e o melhor Sigur Rós, o David Sylvian de Gone to Earth e de Approaching Silence, o Miles Davis "exótico" das músicas para filmes, e o impressionismo japonês de Toru Takemitsu soprado por uma flauta shakuachi (justamente o som que Henriksen procurou reproduzir na sua estreia para a Rune Grammophon, Sakuteiki).









O que as meditações faladas de David Sylvian vêm a acrescentar a Cartography, é de ordem semelhante ao efeito provocado pela narração de Max von Sydow no início e fim de um dos melhores (e dos não menos formalistas) filmes de Lars von Trier, Europa. A indução de um estado que mimetiza uma hipnose controlada que ajuda a transportar o conjunto das peças para uma zona ainda mais interior onde os ecos gerados pelos vários recursos electroacústicos reverberarão na caixa onde guardamos o que nos é precioso e íntimo.
O jeito é proceder à contagem mental decrescente e deixar que o disco nos conduza para onde tiver de ser, e por um trajecto de algumas sombras e de muitas iluminações.

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