12.15.2008
As marcas do crime
Eles viram. Eles viram-no. David Cronenberg e Viggo Mortensen por certo que terão tido ambos contacto com o documentário de Alix Lambert que trata um assunto até aqui clandestino: o das tatuagens dos presidiários russos, e da forma como isso representa uma inscrição na carne das suas vidas de crime. É um abismo onde se cai, e de onde tantas vezes se não sai. Lambert entrevista vários condenados, de ambos os sexos, e gente ligada ao aparelho penal da ex-União Soviética. A frontalidade com que se filma um corpo tatuado é a mesma usada pelos interlocutores que carregam um passado de criminalidade e reincidência: morte e roubo, sobretudo. O tom geral é fúnebre, em parte pelas narrativas sem futuro, noutra parte pela perda da ética verificada com a entrada do novo dinheiro neste circuito. O aspecto redentor de uma deontologia defendida pelos "criminosos de lei" ou vor v zakone, foi substituído pelo total alheamento desses valores posto em prática pelos condenados recentes, a maior parte originários do negócio da droga. The Mark of Cain notabiliza-se sob dois aspectos principais: primeiro é surpreendente que Alix Lambert tenha obtido autorização para filmar nas prisões documentadas, representativas de uma existência nos limites da esperança (ou até mesmo para além desta); depois porque o seu olhar mantém uma distância decisiva que permite que o assunto seja simultaneamente fascinante ou desolador aos olhos de quem vê. Reforce-se a existência de um terceiro aspecto que sendo menos sensível na aparência, acaba revelando-se taxativo na análise de Lambert. Se o realizador terá procurado honra e dignidade, estas foram sendo sacrificadas por obra do oportunismo e da vã glória. Na era de todos os simulacros, menos ainda se pode confiar nas tatuagens dos homens. Elas passaram a mentir e nalguns casos a inventar passados.
Arquivo do blogue
-
▼
2008
(396)
-
▼
dezembro
(37)
- Do cavalheiro Sarstedt
- O amante de Lady Brolin
- Feliz ano novo
- Trágico é o homem achar-se ridículo
- Identificação de um fado
- Quanta melancolia
- Memória contra o esquecimento
- O penúltimo samurai
- O ególatra e o seu esplendor
- A Austrália é nossa
- Fantasmas
- Para o meu amigo
- Aprender com os maiores
- About last night...
- Cowboy dreams
- Retrato do artista
- Acreditar no Pai Natal (o senhor de vermelho)
- De cebolada
- O amor em tempos de crise
- Nada estranho
- Transa atlântica
- As marcas do crime
- Honky tonk blues
- O meu Slim Aarons
- Aussies do it better
- Wikipédico
- Muda o disco, toca o mesmo
- Hirto e firme
- As listas (what else?)
- Surf's up
- Prometida de outro
- Europa profunda
- As notícias da "sua" morte foram exageradas
- Sonho
- Vanina
- Uma outra história de violência
- O esteta da paixão
-
▼
dezembro
(37)