12.10.2009
Os pontos específicos
A coisa não bateu logo. Acabou de bater. Aliás, bateu só depois do almoço. Candy é um filme dividido em três partes – Céu, Terra, Inferno – que faz equivaler a vivência da droga com o estado da paixão. O tratamento é justo e não esquemático. A gente só toma consciência do paralelismo mais tarde. Enquanto o filme decorre limitamo-nos a acompanhar a banal história dos amantes condenados pela ingenuidade da entrega narcísica, irresponsável, e inconsequente. Aparentemente condenados pelo consumo da droga. De verdade condenados porque qualquer paixão fica ameaçada quando alguém não consegue fazê-la evoluir para algo que tenha menos a ver consigo do que com o outro. A euforia sentida por Dan (Heath Ledger, estupendo) e por Candy (Abbie Cornish, actriz que possui a fibra e alguns traços de Nicole Kidman) foi aquela que vários de nós terão alguma vez sentido. Depois vem a realidade, sob a forma da imposição dos caprichos: a ressaca do sentimento que nos deu essa sensação de poder ilusória. E finalmente a inevitável separação dos corpos, quando os Egos já se haviam separado anteriormente. Tudo isto é cliché, é tudo experiência universal. Onde Candy marca pontos específicos é nos atalhos da narrativa. Naquilo que é consequência lateral dos estados absolutos. O momento em que Dan se dirige a um amigo mais velho, homossexual (Casper/ Geoffrey Rush), perguntando-lhe sobre as expectativas dos homens quando recorrem a um prostituto. É que Dan acha que não conseguirá ter uma erecção com um homem, e isso pode comprometer os engates que se propõe fazer para obter dinheiro para a droga. Ou então na boa cena final, no restaurante onde Dan passa a trabalhar depois de se separar de Candy e de esta ter sido hospitalizada, quando a rapariga o visita e ele percebe que o que ambos viveram faz parte de um passado que não tem hipótese de ver-se actualizado. O tempo daquele sentimento havia-se esgotado, constituindo memória com que ambos se tinham de reconciliar. Sendo este Candy uma evocação – da mulher, de um tempo, daquela atribulada relação –, é na representação da tomada de consciência do que a passagem do tempo tem de relevante na sedimentação das memórias que o filme de Neil Armfield conquista a sua maioridade, torna-se adulto e ele próprio em parte (pontos específicos) memorável.
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