6.12.2009

Palavra de honra


















O encontro involuntário com o último filme de David Mamet, Redbelt/ Código de Honra, reforça a argumentação dos que defendem, como eu, que o grande cinema feito actualmente é cada vez mais aquele que descobrimos em nossa casa. É de todo incompreensível como este Mamet não chegou às salas portuguesas, opção resultante de lógicas de mercado equivocadas das quais acabamos por sofrer danos colaterais. Adiante.
Redbelt, que é exemplar do ponto de vista da estrutura narrativa clássica, conta a história de um instrutor de Jiu-Jitsu que no passado terá tido problemas relacionados com um episódio de Guerra nunca para nós elucidado, e que agora se limita a gerir a actividade da sua academia de artes marciais, levando uma existência tão rigorosa e discreta quanto possível. Mike (interpretado pelo britânico Chiwetel Ejiofor, que possui a qualidade dos maiores actores para quem “estar” parece ser suficiente) é casado com uma brasileira (Alice Braga) que dá sinais de saturação pelo modo como a ética do marido se reflecte nas permanentes dificuldades financeiras que enfrentam. O conflito decorre do facto de ela ser uma pessoa ambiciosa e ele não. Mas o conflito central de Redbelt é outro, e ao mesmo tempo uma generalização deste. E tratando-se de Mamet, é mais denso e nebuloso, embora este seja dos seus filmes mais “transparentes”. A intriga complica-se quando Mike se vê envolvido com uma estrela de cinema (Tim Allen) e as suas pouco recomendáveis companhias, que mantêm ligações com o universo do crime e dos combates organizados (e forjados). A “força” representada por esse tipo de gente – que já integra o cinema de David Mamet desde a sua estreia, com House of Games – é algo a que Mike não pode aplicar em rigor os seus ensinamentos; conjuntura de que não se poderá libertar a não ser pela via da confrontação.
Quando Redbelt se aproxima do momento de maior tensão dramática, na noite em que Mike é suposto combater para solucionar parte dos problemas entretanto surgidos na sua vida, ele recua na decisão. E depois há essa cena absolutamente espantosa (e sem diálogo perceptível) quando Mike se prepara para abandonar o recinto onde decorrem os combates e dá a justificação do acto (que não ouvimos, apenas observamos à distância) à advogada Laura (Emily Mortimer) sua aliada, e esta responde com uma inesperada bofetada. No instante desse “sonoro” estalo o filme de Mamet desloca-se dos parâmetros de plausibilidade da história de um homem comum para os da aventura de um herói: quem achar que não precisamos mais de heróis, está redondamente enganado. E em concreto no cinema, que sempre foi o território por excelência de onde recebemos exemplos de dignidade e decência que poderão moldar as nossas vidas. Neste aspecto o regresso de Mike para enfrentar a poderosa conspiração onde acabou envolvido, é uma cena de intensidade comparável ao final de Há Lodo no Cais/ On the Waterfront, se ainda se recordam da caminhada de Terry Malloy (Marlon Brando), sozinho e ensanguentado, para denunciar a corrupção no sindicato que controlava os estivadores de New Jersey.
Redbelt tem as raízes no cinema americano desse período, a década de 50, no cinema de cunho social de realizadores como Elia Kazan, mas convoca elementos do filme “negro” e também do filme de “samurais”, em cenário contemporâneo. E com as suas linhas de filiação faz impor a força maior do cinema, que passa aqui por uma demonstração de honra impoluta onde o fundamental da escrita mametiana, brusca e analítica, é vertido para uma planificação igualmente rigorosa e essencial.


Ou então, nas palavras de Mr. Mamet:


















So here’s a guy who wants to find purity in the world, and he wants to find purity in the world, and what Emily Mortimer explains to him is: “Don’t go looking for purity in the world. If you’re interested in purity why don’t you find purity in yourself?” Right? So that he finds out that his character is his fate and that he’s given the choice not to change the world, which is the purpose of political thought, right? – that in graft –, but to change himself. And so that’s what he decides to do, so that’s the end of his hero journey.

Da entrevista filmada com o crítico norte-americano Kent Jones, num dos extras da edição portuguesa, aliás toda ela também excelente.

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