6.05.2009

Esse estranho fulgor














Não tenho dúvidas ao afirmar que Carminho é a grande voz do fado a surgir depois de Camané, e se tivermos em conta as datas de estreia em disco de cada um, passaram-se cerca de 15 anos. Já me é mais difícil concordar com os que a aproximam de Maria Teresa de Noronha, talvez empurrados por uma história familiar que de certo modo trai a pujança tímbrica de Carminho, que terá tanto de aristocrático quanto de popular. Quando a ouço cantar, e a impressão ao vivo é sempre mais vincada, a figura que vem à memória é Lucília do Carmo (mais até do que Beatriz da Conceição). Porque Carminho, apesar de muito jovem, tem a maturidade visceral que transporta para o canto de uma forma que parece intuitiva. A sua opção por gravar um disco entre amigos, contemplando um repertório que se reparte por fados "difíceis" e outros de enorme jovialidade, parece-me ganha. Há coisas que não se podem pedir nem à mais extraordinária das revelações. Terão de ser os grandes fados a fazê-la ainda maior do que é já. Carminho entrou nos discos com a aprendizagem bastante adiantada, mas eu diria notar-se aqui que domina a voz de forma um pouco auto-consciente. Sente-se o deslumbramento na facilidade do estilar, no uso do vibrato (até nos roubados), mesmo que entusiasme até quando tanto brilhantismo parece desnecessário. Carminho quis dar tudo: caramba!, o quanto tem para dar. Quando quiser dar mais, menos a menos, tornar-se-á na extraordinária figura que cresce dentro dela. É só deixar-se crescer.


P.S. Há no fado uma ilusão que gosto de preservar: a da voz que comanda a interpretação, em vez da interpretação no comando da voz. Exige uma certa intempestividade vocal, e a intuição faz o resto.

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