2.26.2009

... e hoje no semanário O Distrito de Portalegre

















Foto: Monica Almeida/New York Times

Viva Hollywood «bollywoodizada»
Devo começar por dizer que me considero um dos derrotados da recente noite dos Óscares. Duplamente derrotado. Não só optei deliberadamente por deixar passar o grande vencedor da noite, Slumdog Millionaire/Quem Quer ser Bilionário?, do inglês Danny Boyle (estreado em Portugal na primeira semana de Fevereiro), decisão sem precedentes nos anos anteriores em que fiz ponto de honra de atravessar a cerimónia com total conhecimento dos principais nomeados, como face ao escasso entusiasmo que me motivaram os filmes representados nas principais categorias – que incluíam Milk, de Gus Van Sant; The Reader/O Leitor, de Stephen Daldry; Frost/Nixon, de Ron Howard –, a minha preferência acabou indo para The Curious Case of Benjamin Button/O Estranho Caso de Benjamin Button, de David Fincher, que das 13 nomeações que tinha só obteve êxito nas categorias de Direcção Artística, Caracterização e Efeitos Visuais. Benjamin Button ganhou afinal naquilo que o filme traz de mais impressionante, e que simboliza o actual alcance das técnicas digitais, e não só, ao dispor do cinema hegemónico como é o de Hollywood.
Só que Hollywood perdeu, ou antes, Hollywood estendeu a passadeira vermelha a Bollywood por intermédio de uma produção britânica, país que de há alguns a esta parte serve de laboratório de experimentação da grande indústria cinematográfica, tanto nos filmes de imagem real como na área da Animação. Mesmo não tendo visto Slumdog Millionaire, o que este quase absoluto triunfo parece significar é que por um lado os votantes da Academia têm vindo a renovar-se e com isso o paradigma do que entendemos por «academismo» não é mais o mesmo, depois que o modo como nos relacionamos com as imagens e as ficções, cada vez mais fragmentado e com outros referentes ao nível da cultura popular, dá conta de um efeito de globalização dos referentes que acolhe as linhas de força narrativa de uma história universal independentemente do contexto mais ou menos exótico onde esta decorre. Apenas pelo que sei de Slumdog Millionaire, pela natureza do concurso televisivo que lhe serve de eixo, pelo que conheço da proposta cinematográfica de outros títulos de Danny Boyle (que se notabilizou com Trainspotting), que em parte pode ser classificada de «estética MTV» e que se encontra tão difundida como a Coca Cola, e pelo que o trailer me fez antecipar, corro o risco de dizer que o filme de Boyle não andará longe do cruzamento do realismo televisivo com uma linguagem de videoclip, ancorada claro está na música. Se alguma ilação podemos tirar dos oito Óscares (em dez possíveis) conquistados por Quem Quer Ser Bilionário?, é que o ritmo se sobrepõe no gosto do dia à narrativa, e que o cinema para a generalidade dos espectadores tornou-se uma experiência sobretudo sensorial, valorizada pela cor e pela música. Deste ponto de vista a cerimónia propriamente dita foi pobre, e nem sequer quis disfarçar a sua condição. Hugh Jackman, o anfitrião, protagonista de Austrália, talvez o maior fracasso de 2008 tendo em conta as proporções e as ambições, até nem começou mal, rodeado de adereços de «papelão» que apresentaram os principais candidatos da noite. Puxou a certa altura a jovem Anne Hathaway para perto dele, a responsável pela única nomeação do filme de Jonathan Demme, O Casamento de Rachel, que mostrou ter óptima voz num aparente improviso que imagino combinado. Mais tarde Jackman voltou a cantar e a dançar desta vez com Beyoncé Knowles e o conjunto de bailarinos coreografado pelo realizador de Austrália e de Moulin Rouge, Buz Luhrman, no que se revelou um tremendo equívoco que nem de esmola terá servido para o peditório da revitalização do género Musical. Mais conseguida me pareceu a opção pela escolha de cinco actores, ora femininos ora masculinos, todos premiados, que vieram apresentar e presentear os seus congéneres nas quatro categorias de representação: Melhor Actor/Actriz, principal e secundário(a). Era Hollywood a jogar com o que tem de melhor, o seu capital humano, personificado por gente talentosa como Christopher Walken, Robert De Niro, Shirley MacLaine, Adrien Brody ou Anjelica Huston. Estas aparições, tal como o melhor momento da noite protagonizado por Jerry Lewis, que recebeu o Jean Hersholt Humanitarian Award pelo seu trabalho na divulgação e no apoio à investigação em torno da distrofia muscular, destacam-se pelo tom justo, pela emoção correcta, distante da celebração balofa que culminaria com a subida ao palco da grande família de Bombaim, Índia, que trouxe o pretenso pigmento a tão descolorida celebração.

Ricardo Gross

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