9.30.2008
Frank Galvin (1925-2008)
Ontem optei por ficar em casa para me despedir de Paul Newman. Falhei os cinquenta anos da Cinemateca. Falhei também o décimo aniversário do Lux/ Frágil. Falhei os jornais do domingo, por razões que não merecem comentário. Fiquei portanto a saber ontem que Paul Newman tinha morrido sexta-feira passada: morte há muito anunciada. A forma que encontrei de lhe dizer adeus foi rever aquela que considero a sua mais sublime interpretação. Dos rostos iconográficos do período de transição do classicismo para a modernidade do cinema de Hollywood, Newman tem a minha preferência. Acima dele só Clint Eastwood, mas isso levava a longa (aqui inoportuna) elegia e em vida. O filme de 1982 chama-se The Verdict, foi realizado por Sidney Lumet com base num guião de David Mamet. Newman está sublime, e o filme tem momentos em que se transcende a especificidade da linguagem cinematográfica. Como aquele em que o advogado Frank Galvin visita o hospital onde está internada a cliente que representa para ele a (derradeira?) possibilidade de redenção profissional, e que sai de lá com a consciência de que a redenção, a acontecer, será bem mais profunda que isso. Será redenção pessoal, humana, a recuperação da dignidade afundada em dezenas de copos madrugadores: os que se tomam ao adormecer quando não ao despertar. A cena é magnífica e passa-se assim: Galvin entra sem autorização no quarto do hospital (espaço decrépito cheio de corpos invisíveis de tão presentes que são) e desata a tirar polaróides da jovem acamada. Quando as imagens se revelam, assim compreende que tem na frente um ser humano que a negligência médica (de um médico, com a conivência de outros, generalizemos ma non troppo) arrumou para a condição de vegetal. O assomo das imagens fotográficas dá-se em simultâneo com a consciência expressa no olhar deste actor capaz de milagres como os de Dreyer. The Verdict, mais do que o retrato dos caminhos enviesados da justiça, e da possibilidade de esta poder vir a ter lugar em circunstâncias irreversíveis, é tremenda obra sobre a recuperação da dignidade de uma pessoa. Ou de "duas". Mas para o caso, daquela sobre a qual me debruço e me despeço: Frank Galvin.
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