7.20.2007
Discos da vida ao sabor da busca de assunto (6)
Conta-se que o baptismo discográfico de Marceneiro, o fabuloso, obrigou a que lhe vendassem os olhos para que o fadista pudesse cantar no espaço da sua imaginação, não mais constrangido pela estranheza do estúdio. Com Camané passou-se algo de semelhante. Não sendo, se quisermos ser absolutamente rigorosos, o seu primeiro disco (existe um LP gravado pelo menino Camané após ter triunfado na Grande Noite do Fado), Uma Noite de Fados foi projectado para o Camané adulto com características muito particulares. Os estúdios da Valentim de Carvalho reproduziam o ambiente de casa de fados, as mesas eram ocupadas por caras familiares, diz-se que havia vinho, caldo verde e chouriço assado e que Camané cantou como se estivesse no seu espaço natural: que há altura devia ser já o Sr. Vinho de Maria da Fé e José Luís Gordo. Uma Noite de Fados contou com direcção artística e produção de José Mário Branco, tinha os Parreiras (pai e filho) nas guitarras portuguesas e apresentava um avassalador conjunto de temas (nem me vou dar à tarefa irrelevante de destacar uns dos outros), entre o fado tradicional e a canção-fado. Sei que o fadista manifesta, e não é de hoje, algum descontentamento para com o som do disco, "magrinho", e para com o facto deste ser menos elaborado ao nível dos arranjos (aquando da edição da colectânea para a EMI internacional, Le Prince du Fado, os fados escolhidos do disco original foram registados de novo com os músicos que hoje gravam com Camané), mas eu acho - acho não, tenho a certeza! - que mais determinante que os factos é a verdade que se liberta das interpretações e uma natureza completamente genuína que não mais se veio a atingir nas gravações subsequentes, embora todas magníficas. Chamem-me retrógrado, se quiserem, mas este é mais ainda o meu Camané: é também o Camané que conheci primeiramente. Uma voz enorme despida de tudo aquilo que é acessório. Um Camané que com o repertório justo faz o que só os maiores vultos do fado fizeram antes dele: gente como Lucília do Carmo, Beatriz da Conceição, Alfredo Marceneiro e Amália. Uma coisa que se sente, que se sente na alma, difícil de explicar. Até porque um milagre, se explicado, logo deixa de o ser.
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