Há vinte anos atrás Big Wednesday, Os Três Amigos (1978) era já filme de culto entre os meus amigos que faziam surf. A impressão causada pelo visionamento do filme nessa época não terá sido significativa para mim, mas penso que aquilo que é visto na adolescência terá sempre vantagem sobre a memória futura, no sentido em que deposita mais fundo até as mais discretas emoções. Recordava assim alguns episódios de Os Três Amigos e recordava-os tal como eles se deram novamente a ver (a sequência do recrutamento militar estava particularmente fresca). Há vinte anos eu era um vulgar banhista que nunca mostrara convicção suficiente para se erguer em cima de uma longboard (desisti logo às primeiras contrariedades) e a minha cinefilia era débil demais para que percebesse aquilo que Os Três Amigos traz impresso no seu código genético: a marca elegíaca do western cruzada com o melodrama "coming of age", tipo Rebel Without a Cause, revestida com toda a mística ligada à vivência surf (que é mais do que apenas a sua prática), o culto do individualismo e da superação de obstáculos representados nos enormes vagalhos que estes "cowboys" californianos cavalgam pelos dias dentro.
John Milius terá de reconhecer a influência de John Ford neste seu filme - há inclusive a participação de Hank Worden num papel secundário, ele que fizera décadas antes o patusco Moose Harper no The Searchers, A Desaparecida. Milius é claramente sensível à transposição da aura da masculinidade para um contexto assumidamente hedonista (sea, sex and sun), que em Big Wednesday coincide com o fim da juventude e os diferentes rumos tomados pela vida dos protagonistas que são compósitos de figuras que pontuaram a adolescência do realizador e com os quais John Milius partilhou muitas ondas. Depois há também duas cenas de pancadaria filmadas de modo tão exuberante e convincente como as manobras de surf: no decorrer de uma festa particular e noutra noite de copos em zona mexicana de frequência duvidosa. Tal como nos filmes de Ford, a porradaria fortalece os laços masculinos até quando os homens ocupam lados opostos da barricada. Jack (o mais sério e responsável dos três, e o que mais depressa se reconcilia com os constrangimentos da vida adulta), Matt (o herói que tem dentro de si o seu maior antagonista, à imagem dos personagens interpretados por James Dean e da própria mitologia associada ao actor fora da tela) e Leroy (o "masoquista" que perseguirá até às derradeiras imagens a utopia da perpetuação de uma vida de grandes ondas, várias mulheres e ainda mais cerveja) são os amigos que o filme de Milius destaca, lendas das praias onde surfaram toda a vida e até ao momento em que o culto do surf se estendia já a horizontes mais vastos do que os areais vizinhos: a presença de Gerry Lopez em Big Wednesday - a integração de uma estrela mundial no universo intimista da ficção - é indício da mudança dos tempos, com novo enquadramento de uma modalidade cuja imagem idílica da ligação entre o homem e o mar foi sendo trocada pela de um desporto de competição e de marketing à escala universal.
Mas em Big Wednesday resiste ainda a toada elegíaca, a reminiscência da comunidade surfista (a outra família), a referência à figura tutelar de Bear (fabricante de pranchas e dono da mitologia daquelas ondas e dos homens que nelas surfaram), a estrutura em capítulos que se refere ao perfil do mar em cada estação e os diferentes apontamentos nostálgicos que tiram partido dos elementos naturais (por exemplo do incontornável pôr-do-sol) de modo semelhante àquele com que o western filmava os vastos espaços e os grandes canyons.