4.15.2010
Reacção em cadeira
Em Os Amantes de Maria (1984), de Andrei Konchalovsky, um prisioneiro de guerra, Ivan Bibic (John Savage), regressa para a mulher que "em sonhos" o havia ajudado a suportar o cativeiro. Nesse período foram muitas as noites em que fizera amor com Maria (Nastassja Kinski) na sua imaginação para se sentir humano, ao mesmo tempo que idealizava a rapariga. Quando mais tarde se deita com ela, de tanto ter idealizado, não consegue consumar o sentimento. Até que anos depois serão novas circunstâncias a permitir que Maria se torne mais carne que espírito e aí as coisas acabam por correr bem.
Konchalovsky vai pontuando a paixão de Ivan por Maria ao longo do filme com o plano de uma cadeira esquecida no ermo para onde eles se deslocavam para namorar e fazer projectos, o mesmo lugar onde mais tarde Ivan irá pedir Maria em casamento. Também neste filme, em termos ontológicos, o romantismo está todo do lado do homem, a mulher prendendo-se sobretudo com entusiasmos de circunstância. A fidelidade à imagem da cadeira ocupa demasiado espaço na cabeça dele, e esse compromisso trama-o no plano real da relação.
Houve tempos em que me atormentei com o conceito de disfunção cinéfila (que se traduz por adormecer no acto), mas cada vez mais me convenço de que são em número inferior os espectadores impotentes e de que existem demasiados filmes incompetentes. O exemplo da competência de Kontchalovsky, que tira máximos proveitos da bela Kinski, veio de novo provar a minha razão. O cinema alimenta o nosso romantismo e todo o cinéfilo guarda algures a sua cadeirinha.
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