4.12.2010

O fim absoluto do mundo


















"Cigarette burns" são marcas feitas na película para que o projeccionista saiba quando tem de mudar de bobina. Cigarette Burns (2005) é o título do primeiro episódio realizado por John Carpenter para a série Masters of Horror. Filme onde muita gente anda obcecada com outro filme, que apenas teria tido uma só exibição pública, fazendo justiça ao seu nome, La Fin Absolue du Monde. Um homem, Kirby (Norman Reedus), é contratado para encontrar a cópia sobrevivente, que se acreditava ter sido destruída na sequência do único e trágico visionamento. La Fin Absolue du Monde é um filme que motiva actos de loucura e violência, acabando por matar quem o vê. Tal como num paradigmático filme negro (daí o meu paralelismo com Laura, de Otto Preminger, cuja imagem também se reproduz acima), começa deste modo a busca por algo de que apenas se ouviu falar. E tal como o protagonista que procura, o espectador (em particular o cinéfilo ferrenho) investe expectativas no que não conhece, a pontos de no momento em que se dá o encontro ele poder ver-se representado naquilo que perseguia.
Carpenter é totalmente cínico em relação ao poder esotérico do cinema, ao mesmo tempo que tira prazer do potencial dramático e expressivo da premissa de Cigarette Burns. É o mesmo Carpenter que afirma, num dos Extras desta edição, que o cinema gera e gere a ansiedade do espectador. Daqui se conclui que qualquer filme será para cada espectador aquilo que este nele projecta de si próprio. Como se houvesse sempre um filme diferente em marcha na cabeça do espectador. O perigo efectivo de La Fin Absolue du Monde é que tratando-se de um objecto limite na representação da violência e do desespero humanos, irá também pôr a descoberto traumas ou remorsos maiores de quem a ele assiste.
Cigarette Burns é um filme de género(s): cinema de terror contaminado pelo filme negro. Por entre situações de terror fantástico passa o subtexto do cinema enquanto processo de auto-revelação. O que levado a um extremo obsessivo pode tornar-se fatal. Pelo menos nos filmes. Como se houvesse um limite de realidade suportável para o espectador. Coisas que talvez preferíssemos não saber (ou esquecer) sobre nós. Cigarette Burns inscreve estas marcas traumáticas nas personagens como se fossem película. Como se fossem feitas da exacta matéria de que é feito o cinema: celulóide e nostalgia. O cinema é algo que nos prende ao passado. Mundos que acabaram.

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