4.30.2010
Respostas difíceis
4.29.2010
4.28.2010
Eugène Green, porque sim
O IndieLisboa mostrou em antestreia A Religiosa Portuguesa, de Eugène Green, produção maioritariamente nacional que reuniu apoios de França. Toda a acção do filme se passa em Lisboa, mostrada de início com a desarmante simplicidade de quem a descobre pela primeira vez. A Religiosa Portuguesa começa por ser isso mesmo: a descoberta da cidade conduzida pelos passos da protagonista, uma actriz francesa (Julie, Leonor Baldaque) que vem filmar a Lisboa A Religiosa Portuguesa: donde temos o "filme dentro do filme" com planos da equipa em cujos técnicos e realizador fazem deles próprios (com o pequeno aparte de Eugène Green responder no "filme dentro do filme" pelo nome de Denis Verde).
Ao olhar de Julie, que quando se lhe dirige traduz a perplexidade da busca do sentido para o amor na sua vida, sobrepõe-se o olhar omnipresente de Eugène Green que transmite uma delicadeza em tudo contrastante com as pequenas angústias da sua heroína. Os processos cinematográficos de Green voltam a dar prova de um autor que parece trilhar o caminho da refundação de um certo primitivismo do cinema. Os seus constantes grandes-planos, que pontuam os diálogos de acordo com a correspondência estricta entre frases e personagens, têm frequentemente a pureza expressiva do cinema mudo, e substituem a falsidade do naturalismo da ficção dominante por um anti-naturalismo fingido que partilha do registo burlesco no disfarçar da nobreza dos grandes sentimentos.
O amor e a sua correspondência directa com o conceito de Deus é o tema principal de A Religiosa Portuguesa. Num extenso diálogo próximo do final, quando Julie encontra a freira (Ana Moreira) que várias vezes vira rezar e que tanto a perturbara, esta fala-lhe de um amor uno na quantidade e de qualidade variável. Uma disponibilidade para esse sentimento que é uma e a mesma ao longo da nossa vida, e que oscila apenas em função daquilo para a qual é dirigida. A delicadeza do olhar de Eugène Green, que pode ser confundida com uma ingenuidade que choca com a rigidez atávica do espectador, parece ser também movida pelo amor. Há um lado afectuoso que ocupa todos os espaços de A Religiosa Portuguesa, que a espaços é também muito divertido.
4.27.2010
Sugestão do vendedor
A Fnac Colombo apresentava este domingo no discreto escaparate destinado às sugestões dos vendedores (que teve em tempos outra visibilidade), o penúltimo CD dos Mastodon, banda norte-americana de metal progressivo. O interesse de ali me ter cruzado com Blood Mountain deve-se a que até há poucos dias isso não despertar interesse algum. É que chego a Blood Mountain não por aquela sugestão do vendedor, mas sim do músico que determinara a anterior compra.
Foi a participação de Josh Homme (dos Queens of the Stone Age, Kyuss e Eagles of Death Metal) numa das faixas, Colony of Birchmen, que levou às leituras que conduziram ao disco, monumental propulsão de riffs e bateria com momentos de intensidade quase insuportável para ouvidos menos calejados (caso dos meus), alternados com extensos movimentos melódicos que põem a claro os recursos técnicos e sonoros do quarteto de Atlanta. Os Mastodon são o exemplo de banda que praticando embora um som radical, pode ser apreciada por iniciados no género (eu...), desde que tenham estagiado nas variantes extremas do rock (meu caso).
Josh Homme declara-se fã dos Mastodon em gravação escondida no final de Blood Mountain e após um longo silêncio. Terá diferentes razões, estando as afinidades notadas nos desvios do som Mastodon por terrenos do doom metal e do stoner rock, com a música de Homme nas principais identidades atrás enumeradas, no meio dessas. A sugestão do vendedor foi recebida como caução do risco por troca com o convite ao impulso de arriscar. O entusiasmo da música sempre um acto de solidão algures acompanhada.
4.26.2010
Divino contrabaixo
Entre os amigos sou tido como uma espécie de entendido no fado. Gosto muito, ouvi o bastante (sobretudo em disco), tenho pluma fadista e ao nível do puro imaginário a vivência do fado conforta-me. Depois passa-se ao conhecimento daquelas pessoas e encontra-se gente como qualquer outra. Mais ou menos egocêntrica, mais ou menos carente, mais ou menos mesquinha. Aprende-se a ficar com a obra e deixar que o resto seja obra do acaso. Aprende-se que sentir não implica manifestar sentimentos. O que sei de fado foi o que o fado revelou da minha própria natureza. Tal como Ricardo Ribeiro inscreve em Porta do Coração, dou hoje valor ao que se me assemelha. Este disco nunca na vida me passaria ao lado. De lado já está. Via aberta para a nossa convivência. E do terço que escutei vai ser boa reza.
4.23.2010
Fonte oficiosa
4.22.2010
You'll never rock alone
4.21.2010
A eternidade do instante
4.20.2010
Paulo Sérgio
4.19.2010
O quarto dos brinquedos
Wes Anderson é o único realizador actual que procura transmitir o prazer de quando brincávamos sozinhos. Os seus filmes são menos sobre o acto de contar histórias e mais sobre fabricar as histórias de caminho, aquilo que é próprio da imaginação expontânea. É uma pena (necessária) ver Fantastic Mr. Fox num ecrã de televisão, o filme pede uma escala muito superior para orientarmos o olhar pela sua notável direcção artística, que à semelhança dos outros filmes de Wes Anderson é assumidamente rétro. Ficamos com a impressão de que Anderson terá controlado todo o processo da feitura de Fantastic Mr. Fox ao milímetro. Não fossem a vozes dos actores (Clooney, Streep, Gambon, Dafoe), que incluem muitas das habituais presenças no cinema de Wes Anderson (Murray, Wilson, Schwartzman, Wolodarsky), quase que podíamos acreditar que ele teria feito tudo sozinho. Sozinho e encerrado no quarto dos brinquedos.
4.16.2010
Outrage 12.06.10
The story begins with Sekiuchi (Kitamura Soichiro), boss of the Sannokai, a huge organized crime syndicate controlling the entire Kanto region, issuing a stern warning to his lieutenant Kato (Miura Tomokazu) and right-hand man Ikemoto (Kunimura Jun), head of the Ikemoto-gumi. Kato orders Ikemoto to bring the unassociated Murase-gumi gang in line, and he immediately passes the task on to his subordinate Otomo (Beat Takeshi), who runs his own crew. The tricky jobs that no-one wants to do always end up in Otomo’s lap…
4.15.2010
Tenho dito
Um conhecido luso-americano que é músico desdenhou do meu espanto face à coesão de um disco como Farewell, de Sean Riley & the Slowriders. Entendi da expressão jocosa que para ele não deve fazer nenhum sentido que músicos portugueses possam ser confundidos com os americanos. Não me alonguei em explicações, mas claro que o meu argumento não é o da qualidade da cópia. Quando ponho em relação o som, a voz e as letras de Sean Riley & the Slowriders, não existe acréscimo de condescendência pelo facto de serem músicos portugueses (os músicos têm nacionalidade, a música apenas géneros e cada género comporta uma tradição). E esse mesmo facto não conduziu a que passasse a escutar o disco de outra forma. A música dos Slowriders tem qualidade para ser considerada em pé de igualdade com qualquer outra banda de que eu goste. O meu espanto, no fundo, vai para a descoberta de um grupo cuja sonoridade me cativou de imediato, e que tem um universo composto por referências que passam por aquilo que viram, ouviram e leram (e que adivinho serem bastante comuns com as minhas). Reconhecer que nesta matéria somos todos mais americanos do que alguns gostariam de admitir, é a mera constatação de uma evidência. E, já agora, o segundo disco deles, Only Time Will Tell, mais vincadamente rock, com um som expansivo e cheio que vai recolher elementos ao gospel e à música country, está novamente à altura dos pergaminhos do heterónimo. A música só tem a ganhar em ser habitada pelos Sean Riley & the Slowriders. Vão-se habituando a eles.
Reacção em cadeira
Em Os Amantes de Maria (1984), de Andrei Konchalovsky, um prisioneiro de guerra, Ivan Bibic (John Savage), regressa para a mulher que "em sonhos" o havia ajudado a suportar o cativeiro. Nesse período foram muitas as noites em que fizera amor com Maria (Nastassja Kinski) na sua imaginação para se sentir humano, ao mesmo tempo que idealizava a rapariga. Quando mais tarde se deita com ela, de tanto ter idealizado, não consegue consumar o sentimento. Até que anos depois serão novas circunstâncias a permitir que Maria se torne mais carne que espírito e aí as coisas acabam por correr bem.
Konchalovsky vai pontuando a paixão de Ivan por Maria ao longo do filme com o plano de uma cadeira esquecida no ermo para onde eles se deslocavam para namorar e fazer projectos, o mesmo lugar onde mais tarde Ivan irá pedir Maria em casamento. Também neste filme, em termos ontológicos, o romantismo está todo do lado do homem, a mulher prendendo-se sobretudo com entusiasmos de circunstância. A fidelidade à imagem da cadeira ocupa demasiado espaço na cabeça dele, e esse compromisso trama-o no plano real da relação.
Houve tempos em que me atormentei com o conceito de disfunção cinéfila (que se traduz por adormecer no acto), mas cada vez mais me convenço de que são em número inferior os espectadores impotentes e de que existem demasiados filmes incompetentes. O exemplo da competência de Kontchalovsky, que tira máximos proveitos da bela Kinski, veio de novo provar a minha razão. O cinema alimenta o nosso romantismo e todo o cinéfilo guarda algures a sua cadeirinha.
4.14.2010
Exército de dois
Se compramos o CD, oferecem o filme. Se optamos pelo DVD, o disco é grátis. Comércio justo para um documento notável (é difícil conceber que alguém possa conter tanta música dentro de si como Jack White, mas há algum tempo que apresentei a minha rendição).
4.13.2010
Parto sem dor
Deixem-me contar, sem querer armar espalhafato, que tomei contacto com a música de Sean Riley & the Slowriders a pretexto da próxima sessão NOGO.kino, que é já esta sexta-feira. Não é sério princípio programar música sem ouvir primeiro, e só macaco velho como eu se pode fiar em intuições. E que bela intuição me levou até à banda de Coimbra. Primeiro: quando escutei o disco Farewell (2007, edições Valentim de Carvalho) nunca me passaria pela cabeça que Sean Riley fosse nome artístico que cobre a identidade de Afonso Rodrigues. Não serei a pessoa perfeita para avaliá-lo, mas considero-me capaz para afirmar a verosimilhança de uma voz, da pronúncia e do universo lírico deste escritor de canções. Sean Riley podia ser descendente dos muitos irlandeses que em tempos emigraram para os Estados Unidos, e Portugal só teria a lucrar com o seu regresso ao velho continente. Segundo: a música boa não deve penalizar-se com comparações, muito menos reclamar uma identidade só sua. Estou certo de que Sean Riley & the Slowriders se reconhecem na tradição que vem dos Velvet Underground e dos Doors de baixa rotação, prolongada décadas depois em projectos tão imediatamente maduros quanto os Cowboy Junkies e os Walkabouts. Na música de Sean Riley & the Slowriders a folk encontra o rock, assim como a estrada encontra a noite. Tudo no primeiro disco. Tudo a soar verdadeiro.
Sozinho
Light Sleeper é um filme profundo. Paul Schrader é em primeiro lugar argumentista, um contador de histórias ocupado com a solidão do herói em cenário urbano. É provável que nunca venha a ser cineasta demarcado, a sua cinefilia impõe-se (Bresson primus inter pares) assim como os traços de época (do estilo dos outros) que sempre apreciei pelas razões certas. Schrader é um romântico e um demiurgo ocupado com questões morais. A culpa é central nos seus filmes. Alguns protagonistas quase são figurações de Cristo no mundo moderno. São ao mesmo tempo idealizações da masculinidade e homens em perda. Indivíduos tipo que escolheram vias tortuosas na busca da redenção. No destino dos homens de Schrader existe invariavelmente uma mulher (a mãe, a companheira). Existem mulheres nesse caminho que nunca garantem ser a última paragem. Os filmes de Paul Schrader escolhem um de dois finais possíveis: o êxtase aberto para o indefinido ou a conclusão em tom trágico. Os filmes mais pessoais, escritos ou realizados por Paul Schrader, são os que considero como meus também.
Feminino, masculino
4.12.2010
O fim absoluto do mundo
"Cigarette burns" são marcas feitas na película para que o projeccionista saiba quando tem de mudar de bobina. Cigarette Burns (2005) é o título do primeiro episódio realizado por John Carpenter para a série Masters of Horror. Filme onde muita gente anda obcecada com outro filme, que apenas teria tido uma só exibição pública, fazendo justiça ao seu nome, La Fin Absolue du Monde. Um homem, Kirby (Norman Reedus), é contratado para encontrar a cópia sobrevivente, que se acreditava ter sido destruída na sequência do único e trágico visionamento. La Fin Absolue du Monde é um filme que motiva actos de loucura e violência, acabando por matar quem o vê. Tal como num paradigmático filme negro (daí o meu paralelismo com Laura, de Otto Preminger, cuja imagem também se reproduz acima), começa deste modo a busca por algo de que apenas se ouviu falar. E tal como o protagonista que procura, o espectador (em particular o cinéfilo ferrenho) investe expectativas no que não conhece, a pontos de no momento em que se dá o encontro ele poder ver-se representado naquilo que perseguia.
Carpenter é totalmente cínico em relação ao poder esotérico do cinema, ao mesmo tempo que tira prazer do potencial dramático e expressivo da premissa de Cigarette Burns. É o mesmo Carpenter que afirma, num dos Extras desta edição, que o cinema gera e gere a ansiedade do espectador. Daqui se conclui que qualquer filme será para cada espectador aquilo que este nele projecta de si próprio. Como se houvesse sempre um filme diferente em marcha na cabeça do espectador. O perigo efectivo de La Fin Absolue du Monde é que tratando-se de um objecto limite na representação da violência e do desespero humanos, irá também pôr a descoberto traumas ou remorsos maiores de quem a ele assiste.
Cigarette Burns é um filme de género(s): cinema de terror contaminado pelo filme negro. Por entre situações de terror fantástico passa o subtexto do cinema enquanto processo de auto-revelação. O que levado a um extremo obsessivo pode tornar-se fatal. Pelo menos nos filmes. Como se houvesse um limite de realidade suportável para o espectador. Coisas que talvez preferíssemos não saber (ou esquecer) sobre nós. Cigarette Burns inscreve estas marcas traumáticas nas personagens como se fossem película. Como se fossem feitas da exacta matéria de que é feito o cinema: celulóide e nostalgia. O cinema é algo que nos prende ao passado. Mundos que acabaram.
Amor-próprio
Keith stood over the sink in his study or studio at the far end of the garden, tending to the wound on the back of his hand. This wound had been sustained in early March, when his knuckle came into unemphatic contact with a brick wall. The injury was now on its third scab, but he was still tending to it, dabbing it, blowing on it, cherishing it – his poor hand. These little hurts were like little pets or potted plants you were abruptly given the care of, needing to be fed or walked or watered. (p.62)
4.09.2010
Só rockalhada genuína
Abril/April
16/04/2010 :: 22 horas*
CORRENTE, de Rodrigo Areias
Portugal, 2008, 35mm, P&B, 15'45''
Com: Inês Mariana Moitas e Vitor Correia
Música: Sean Riley & the Slowriders
Sinopse: Ele é mineiro, todos os dias tenta deixar-se ir com a corrente do rio. Ela sonha ir também, mas está presa. Estão todos, presos por uma corrente. São dominados pela força da montanha. É de lá que saem todos os dias e para onde voltam a entrar. Um dia a corrente parte-se.
Em complemento será exibido o making-of do álbum “Masquerade”, de Legendary Tigerman, realizado por Rodrigo Areias.
* sessão apresentada por Rodrigo Areias e Paulo Furtado (The Legendary Tigerman). No final a conversa e as bebidas terão por companhia a música gravada de Sean Riley & the Slowriders.
A NOGO situa-se aqui.
Todos os mitos
4.08.2010
O mar
Foto: O mar de Capri being Sugimoto pelo Eduardo.
Continuo a encontrar mulheres que procuram o mar e que do mar outra coisa não desejam que a tranquilidade, a paz de espírito, ou algo equivalente. As mulheres que dizem procurar o mar atraem-me. Embora possam trair-me. O homem não pode ser tão imenso como o mar, e se procurar transmitir calma constante, ainda que aparente, elas aborrecem-se. O mar, no fundo (e à superfície), representa aquilo que a mulher não pode ter a um dado momento. Com a segurança de saberem que ele está no mesmo lugar. O mar é o amigo natural das mulheres, o confidente dos momentos em que querem desabafar consigo mesmas. Quando querem apenas o eco acrítico dos seus pensamentos. O espaço ideal da sua autocomplacência. Nesta lógica o mar diz-lhes o que querem ouvir. O mar fala-lhes com palavras delas. Se quisermos ser mar para elas, no sentido da amizade, podemos estar seguros de que regressarão algum dia (vezes sucessivas). Mas se queremos ser mar sendo mais qualquer coisa, estamos quilhados: se queremos dar elas sentem-se em dívida, ao passo que o mar nada cobra, recebe apenas. Mas ser mar é ser-se demasiado a mesma coisa. Excepto quando se é apenas mar.
4.07.2010
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