3.24.2010
Sexy Beast
Vamos começar com uma fórmula. Muitos cinéfilos gostam de fórmulas. Eu gosto de fórmulas. Sexy Beast (2000), obra de estreia de Jonathan Glazer, realizador já aqui por mim elogiado a propósito do seu segundo filme, Birth (2004), pode ser antecipado como o cruzamento de Donnie Darko (2001) com o último Jim Jarmusch, The Limits of Control (2009). As terras de Espanha, que para nos pouparmos a esforços vêm exercendo fascínio sobre "tough guys" pelo menos desde a atracção de Hemingway por touradas, assumem no filme de Glazer o lugar do possível paraíso segundo parâmetros dos gangsters na reforma que para lá se mudaram com as respectivas mulheres. A villa junto ao mar pertence a Gary "Gal" Dove (Ray Winstone), que no início quase que é esmagado por um pedregulho que se aloja no fundo da piscina. O calhau gigante, incrustado entre dois corações, o de Gal e o de Deedee, funciona como prenúncio da chegada de Don Logan (Ben Kingsley, numa muito interessante inversão de papéis: como se Kingsley fizesse o que esperaríamos de Winstone e vice-versa), que vem recrutar os serviços de Gal para um último assalto e que está pronto a coagi-lo com o que tiver de ser para que este suspenda a existência idílica à torreira do sol.
Sexy Beast é estilizado como um filme dos Coen e faz também lembrar o neo-noir de Soderbergh de 1999, chamado The Limey (que por sua vez remete para The Hit (1984) de Stephen Frears, cuja acção se passava algures em Espanha). Feito o varrimento sumário pela genealogia, é finalmente Guy Ritchie quem sai pela porta pequena. É que Jonathan Glazer, apesar dos indícios de deslumbramento com o potencial expressivo do cinema versus o tom pessoal que melhor serve cada cena, algures entre Tarantino e a sua versão empobrecida pela filmografia de Ritchie, tem logo no primeiro filme um sentido apurado de criação de atmosferas e de instantes inesperados que imprimem a Sexy Beast um cunho individual embora rapsódico. O filme não se esgota no brilhantismo formal. Tem dois protagonistas, Gal e Don, que subvertem o estereótipo da fisionomia, e à medida que a acção se encaminha para o inevitável golpe outras motivações, como o amor, ganham relevo.
Quando um coelho com corpo de homem se dirige montado num burro e empunhando uma metralhadora na direcção de Gal, não conseguimos deixar de conceber esta figura de gangster aposentado como a versão alternativa de Dom Quixote para quem os moinhos da fortuna andarão à roda uma derradeira vez.
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