

Vamos começar com uma fórmula. Muitos cinéfilos gostam de fórmulas. Eu gosto de fórmulas. Sexy Beast (2000), obra de estreia de Jonathan Glazer, realizador já aqui por mim elogiado a propósito do seu segundo filme, Birth (2004), pode ser antecipado como o cruzamento de Donnie Darko (2001) com o último Jim Jarmusch, The Limits of Control (2009). As terras de Espanha, que para nos pouparmos a esforços vêm exercendo fascínio sobre "tough guys" pelo menos desde a atracção de Hemingway por touradas, assumem no filme de Glazer o lugar do possível paraíso segundo parâmetros dos gangsters na reforma que para lá se mudaram com as respectivas mulheres. A villa junto ao mar pertence a Gary "Gal" Dove (Ray Winstone), que no início quase que é esmagado por um pedregulho que se aloja no fundo da piscina. O calhau gigante, incrustado entre dois corações, o de Gal e o de Deedee, funciona como prenúncio da chegada de Don Logan (Ben Kingsley, numa muito interessante inversão de papéis: como se Kingsley fizesse o que esperaríamos de Winstone e vice-versa), que vem recrutar os serviços de Gal para um último assalto e que está pronto a coagi-lo com o que tiver de ser para que este suspenda a existência idílica à torreira do sol.
Sexy Beast é estilizado como um filme dos Coen e faz também lembrar o neo-noir de Soderbergh de 1999, chamado The Limey (que por sua vez remete para The Hit (1984) de Stephen Frears, cuja acção se passava algures em Espanha). Feito o varrimento sumário pela genealogia, é finalmente Guy Ritchie quem sai pela porta pequena. É que Jonathan Glazer, apesar dos indícios de deslumbramento com o potencial expressivo do cinema versus o tom pessoal que melhor serve cada cena, algures entre Tarantino e a sua versão empobrecida pela filmografia de Ritchie, tem logo no primeiro filme um sentido apurado de criação de atmosferas e de instantes inesperados que imprimem a Sexy Beast um cunho individual embora rapsódico. O filme não se esgota no brilhantismo formal. Tem dois protagonistas, Gal e Don, que subvertem o estereótipo da fisionomia, e à medida que a acção se encaminha para o inevitável golpe outras motivações, como o amor, ganham relevo.
Quando um coelho com corpo de homem se dirige montado num burro e empunhando uma metralhadora na direcção de Gal, não conseguimos deixar de conceber esta figura de gangster aposentado como a versão alternativa de Dom Quixote para quem os moinhos da fortuna andarão à roda uma derradeira vez.
