3.11.2010
Da culpa no coração
Um texto sobre a culpa, aplicada a um caso pobrezinho (aqui), poderá ter influenciado a leitura que fiz da terceira vez que vi Birth. A história do filme, resumida, fala de um par, Anna e Sean, cujo casamento é abruptamente interrompido com a morte deste. Sean reencarna então num recém-nascido que dez anos mais tarde se apresenta a Anna dizendo-se seu marido. Quando a dúvida se instala no coração dela, a música de Alexandre Desplat assinala-a com a representação dos batimentos cardíacos através do som. Além de belíssima, a partitura do francês tem ainda a particularidade de ser tremendamente diegética. Mas regressemos à história. Próximo do final de Birth, Sean descobre que tinha sido infiel a Anna com a mulher do melhor amigo. E então Sean, que desaparecera uma vez da vida dela, ao sofrer o fulminante ataque de coração quando corria no Central Park, volta a abandonar a cena por não suportar a culpa. A culpa que ficara esquecida, guardada em zona remota do inconsciente, é trazida de volta (é clarificada) pelo diálogo de Sean com Clara, mulher de Clifford, que tinha conservado as cartas que Anna escrevera a Sean e que ele lhe dera a guardar como prova (algo perversa) da sua preferência. O que a culpa escondeu a mesma culpa destapa nesta espantosa obra de Jonathan Glazer. O filme estabelece um conflito de forças entre a razão e o coração, tratando os aspectos fantásticos da narrativa num registo cerebral percorrido por uma corrente emocional alimentada pela premissa, pela credulidade crescente de Anna para com um sentimento a que a morte não pôs fim, e pela música de Desplat que considero tão determinante como qualquer um dos protagonistas, na medida em que pontua e comenta os principais acontecimentos. Birth é um objecto para o qual dirigimos o olhar e a escuta, embora a verosimilhança da proposta se decida no nosso coração. O mesmo orgão que carrega a culpa de Sean, que de novo se torna insustentável para ele, impele o espectador para a travessia das emoções que Birth contém. Ou que para os cépticos, não contém.
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