3.12.2010

Postal do princípio do mundo
















Tinha grande curiosidade de ver o derradeiro filme de Michelangelo Antonioni (1912-2007), a curta-metragem The Dangerous Thread of Things inserida no triplo programa Eros (2004), que reúne ainda filmes de Wong Kar-wai e Steven Soderbergh que deixei para depois. Penso que não se lhe pode aplicar a designação desejada de filme-testamento, até porque é sabido que Antonioni trabalhou com franca debilidade física nos últimos anos. Praticamente desde Identificação de uma Mulher (1982), de que guardo excelentes memórias, que o cineasta italiano não filmou na plena posse das suas faculdades. No entanto é interessante olhar para The Dangerous Thread of Things como alegoria do princípio do mundo. Um Adão que se deixa jogar por duas belíssimas Evas (Regina Nemni e Luisa Ranieri). E como são belas as mulheres do filme! Belas, assim de nos roubar o fôlego, estão a perceber? E o cenário escolhido por Antonioni pode assemelhar-se a uma versão actual do Paraíso: uma zona junto ao mar não identificada, com praia, rio e a natureza apropriada para carregar de simbologia as cenas. Antonioni deixa finalmente um aviso aos homens. Não é de hoje que temos vindo a perder as mulheres umas para as outras, mas hoje perdêmo-las como nunca antes. Porque nos amolecem o cérebro com o desejo que despertam em nós, e porque sabem dominar o desejo melhor do que nós. E porque encontram no amor feminino subtilezas a que muitos homens nunca chegam. Estamos perdidos, como se vê. Sempre estivemos perdidos. Resta-nos reviver os dias do princípio do mundo. Do começo da nossa condenação.

Arquivo do blogue