8.11.2009

Missão imaginária


















Na melhor cena de The Limits of Control, o realizador Jim Jarmusch parece abrir o vaso comunicante entre a prática do Tai Chi, que o impecável Isaach de Bankolé usa como método de auto-disciplina e concentração, e a dança flamenca observada pelo mesmo num café, em hora de ensaio. O rigor, a leveza e o sincronismo (com a música e o canto) dos gestos da bailarina podem servir de programa ao filme de Jarmusch, que no entanto o não cumpre em absoluto. The Limits of Control assinala o regresso de um Jarmusch exportado para a Europa, onde o americano já havia filmado em pelo menos três outras cidades: Paris, Roma e Hensínquia em Noite na Terra, de 1991. A Espanha serve agora de cenário, daí os respectivos elementos culturais iconográficos: da música à arquitectura. Daí também repetir-se a impressão de que tudo se desenrola a um nível superfícial, e de que os diferentes elementos não se impregnam uns dos outros. Em Madrid, a abstracção das formas, os interlúdios eléctricos à guitarra, e a estilização dos diálogos (charadas filosóficas, citações e homenagens) remete para o período em que o cinema de outro americano "expatriado", Hal Hartley, se tornou menos interessante: até a rapariga sempre nua encarnada por Paz de la Huerta caberia no cinema pós-Amateur de Hartley. E com o decorrer do filme, The Limits of Control acumula repetições denunciadas e auto-citações que também fazem dele uma espécie de variação ampliada de "coffee with(out) cigarretes" com homicídio no final, para citar um anterior projecto de curtas do realizador.
Jim Jarmusch põe demasiada fé nas virtudes de um minimalismo que condiciona a progressão do filme a uma sequência de encontros, todos iniciados quando uma figura altamente distintiva se certifica de que o homem solitário de Bankolé não fala espanhol, troca com ele a respectiva caixa de fósforos idêntica mas de cor diferente, e o questiona sobre o seu interesse por filmes, ciência, whatever. O título The Limits of Control remete para modos diferentes do exercício do controlo. O controlo físico e emocional que identifica o protagonista ao longo da missão: e há um momento particularmente extremo que corresponde a um dos mais belos planos do filme (este felizmente repetido), quando obervamos a rapariga nua deitada ao lado de Isaach de Bankolé (que nunca fecha os olhos e "dorme" vestido), com a mão pousada na coxa do homem, em área propícia ao natural entumescimento do sexo; e o segundo controlo, objecto que The Limits of Control se propõe combater, explicitado quando Bankolé encontra o proto-tecnocrata todo-poderoso de Bill Murray, que representa o lado político do filme e a sua investida contra-corrente face a diferentes modelos de dominação: económica, militar ou cultural (de entretenimento). Pena que a originalidade do método Jarmusch se apresente aqui em perda de surpresa e coesão. A certa altura The Limits of Control é obra que se vê com recurso a metade do cérebro (só não perguntem qual). O estilo de Jarmusch confunde nalgumas situações onirismo e superficialidade, coolness e decorativismo (o slow-motion é quase sempre forçado; como também o é reincidir na universalidade da galeria de personagens).
Mas, e em síntese, a questão central talvez tenha que ver com a forte e constante presença de outros títulos do realizador, e com o facto de já termos visto isto no geral destilado para melhor cinema: Ghost Dog, por exemplo, é todo ele impecável, como agora, repito, apenas Isaach de Bankolé o consegue ser.

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