8.17.2009

It’s Mann’s world












We want to hurt no one. We’re here for the bank’s money, not your money. Your money is insured by the government, you’re not gonna lose a dime. Think of your families. Don’t risk your life. Don’t try to be a hero.

O diálogo é retirado de Heat (1995), título que encontramos a meio da filmografia de Michael Mann, embora com pequeníssimos ajustes pudesse ser utilizado no Public Enemies (2009), do mesmo realizador, recentemente estreado: John Dillinger, interpretado por Johnny Depp, chega a perguntar ao gerente do banco, durante um assalto, se este prefere tornar-se num “living coward” ou num “dead hero”. Mann escreveu Heat sozinho, e repartiu as responsabilidades do argumento de Public Enemies com Ronan Bennett e Ann Biderman. O facto não impede Public Enemies de ser um filme de Mann até ao tutano, que recicla temas, figuras e situações de Heat, transpostas agora para a idade de ouro dos gangsters e para uma história verdadeira (resultado da adaptação do livro Public Enemies: America's Greatest Crime Wave and the Birth of the FBI, 1933–34 de Bryan Burrough). No cinema de Michael Mann, e no que representa actualmente cerca de metade da sua obra, correm dois trajectos paralelos que correspondem a um desejo partilhado. O mundo dos polícias e dos ladrões preenche-se sobretudo pelas companhias masculinas, e o carácter imprevisível das actividades adversárias pressupõe a incompatibilidade com outros vínculos duradouros. Michael Mann filma sobre uma linha de tensão entre a liberdade e o compromisso, mostrando o fascínio do ilícito, a adrenalina e o luxo relacionados com a actividade criminosa de grande escala, mas é igualmente romântico quando filma a mulher (certas mulheres, a mulher certa) como destino último do homem, no que também assume um grau de fatalismo. Mann é um nostálgico da cumplicidade masculina, algo com a qual interfere a presença feminina quando não é apenas decorativa. Os heróis de Mann sentem-se mais vivos na companhia uns dos outros, e há nisto um efeito de resistência à entrada na idade adulta padronizada pelas suas várias responsabilidades. Mann identifica-se claramente com a liberdade e a vertigem implicadas pelo jogo do “gato e do rato”, e chega a gerar empatia entre figuras de lados opostos do crime. Em Heat parte da construção era feita no sentido de identificar as naturezas de Neil (Robert De Niro) e Vincent (Al Pacino), e o processo volta a repetir-se em Public Enemies com as personalidades de Dillinger e de Melvin Purvis (Christian Bale), que o persegue com igual determinação. Há inclusive aquela cena no momento em que Dillinger é capturado e Purvis visita-o na cela temporária, que recorda a conversa no café entre De Niro e Pacino, na repetição de promessas desafiadoras por homens dispostos a tudo. Os heróis de Mann são Peter Pans (frequentemente) armados até aos dentes. O cinema de Michael Mann assume a função de escapismo adulto do espectador de cinema, que por definição é um ser nostálgico.

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