8.13.2009

Brothers in charms (Fire in the Forest Tour 03/04)




















É sabido que Ícaro mandou fazer asas em cera para se encontrar com o Sol, e deu-se mal na jornada. Já eu, muitos séculos depois, também romântico, embora mais cínico, recorri ao material plástico para me elevar até há cinco anos atrás, em Abril, num auditório em Tóquio, palco da apresentação de Blemish, disco inaugural de David Sylvian na sua própria editora, a Samadhi Sound. O plástico é matéria vulgar, apesar de dificilmente perecível, e serviu a minha vontade de resistir também forte. Em palco estavam os irmãos David Sylvian e Steve Jansen, sentados de frente para um conjunto de teclados e laptops, e ainda Masakatsu Takagi, responsável pelas imagens projectadas nas telas colocadas por cima dos músicos. O DVD parece documentar o concerto na íntegra (dura sensivelmente hora e meia). Uma primeira metade alinha todos os temas de Blemish, excepto um (How Little We Need To Be Happy), pela ordem do CD. Eu que vi os concertos de Sylvian em Portugal, nunca antes estivera tão próximo do que é estar e ser David Sylvian perante uma plateia. O crepitar da electrónica, vertido na perfeição para imagens gráficas e figurativas, ardia-me no peito. O metabolismo desacelera quando estamos em face de algo que emociona com esta intensidade. Note-se que o DVD é uma edição não-oficial, que no entanto ostenta um profissionalismo blindado sob os vários aspectos. Filmado para exibição num canal de televisão japonês (daí a permanente legendagem no idioma), acabou por atravessar para o mercado ocidental, ainda que muito restrito.
Uma vez terminada a apresentação de Blemish, o espectáculo percorre outros temas da fase mais popular de David Sylvian: When Poets Dreamed of Angels e Maria, por exemplo, são como que esventrados, transformados na sua estrutura harmónica, e mostrados com uma identidade quase integralmente distinta. Mas a catarse dá pelo nome de Wasn’t I Joe?, tema composto por Sylvian e Jansen por mim desconhecido, que se estende durante treze majestosos minutos, percorrendo com assinalável gosto a gramática da canção em fundo electrónico, dinâmico e contemplativo. A realização dos japoneses é absolutamente notável. A montagem incorpora as imagens nos ecrãs que incorporam cada ruptura na oratória de Sylvian. Blue Skinned Gods e Praise servem para o músico fazer referência ao seu guia espiritual, que pudemos escutar em Dead Bees on a Cake (o derradeiro disco de originais na Virgin), e o encore é preenchido com World Citizen, composição partilhada com Sakamoto, pouco relevante, a cumprir a quota de compaixão universalista, e Jean the Birdman, do CD gravado “a meias” com Robert Fripp (The First Day).
Para os que leram o texto até aqui, e só para eles, refira-se que a Flur prevê ter este DVD para venda muito em breve. O êxtase de alguns far-se-á o transe de mais alguns outros. Podem fazer fé nestas palavras. Se gostam tanto quanto eu de David Sylvian, irão também achar que o que aqui surge registado é bom demais para ser verdade. É verdade. Eu vi. Eu “estive lá”.

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