8.02.2009
Anatomia de Gray
Não fui rever Two Lovers/ Duplo Amor pois passei a estar temporariamente distante das salas que o exibem, e também porque o filme sai em DVD no próximo dia 10 e a Amazon já lá tem a minha pré-encomenda. De qualquer forma tenho tido tempo para pensar nele (até involuntariamente), e apeteceu-me dar alguns exemplos daquilo que no post anterior designei por intemporalidade (aqui pela atemporalidade) no cinema de James Gray, pela capacidade deste cineasta de dar a sentir aquilo em que as personagens pensam num preciso momento sem que elas o verbalizem (no que constitui um dos elementos mais fascinantes e específicos das artes visuais), por último o seu respeito pela dignidade humana e o modo como esta pode ser preservada dos efeitos dramáticos fáceis. Exemplos: quando Leonard (Joaquin Phoenix) vai a uma discoteca de Manhattan com Michelle (Gwyneth Paltrow) e duas amigas dela, alguns rapazes monopolizam a pista de dança com as suas coreografias de breakdance. Isto leva-nos a pensar que o filme de Gray se situa nas décadas de 80 ou 90, algo que depois verificamos não ser verdade já que no Bar Mitzvah do irmão mais novo de Sandra Cohen (Vinessa Shaw) surge uma inscrição, salvo erro na capa de um livro, com data de 2008. Em outra cena cujo contexto não recordo em pormenor, alguém fala dos sentimentos de Sandra para com Leonard e o comentário é interrompido pelo toque de chamada no telemóvel deste, fazendo o espectador suspeitar tratar-se de Michelle. Mais importante é que quando alguém fala em Sandra nós percebemos que Leonard tem o pensamento noutra mulher. Mais tarde no filme, Leonard visita Michelle que se encontra a convalescer em casa. O encontro é interrompido por Ronald (Elias Koteas), sócio da firma de advogados para a qual Michelle trabalha, e que tem uma ligação extra-conjugal com esta. Leonard não tem outro recurso que esconder-se atrás da porta do quarto, situação já de si bastante vexatória. A humilhação poderia ser ainda maior caso o rapaz fosse descoberto (por exemplo, se o seu telemóvel viesse a tocar...). Mas James Gray poupa-o a essa situação, não hipotecando aquilo que importa realçar (que Michelle se mantém presa a outro homem) a um expediente dramático desnecessário. Two Lovers é o melhor filme estreado em Portugal depois do Gran Torino de Clint Eastwood.
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