10.31.2008

Temos homens




















... e James Caan, Robert Duvall, Tom Selleck, Gary Sinise, Sylvester Stallone, Jon Voight, James Woods, entre outros. Boa super terça-feira para todos e que seja viva a disputa.

Inner circle




















A música do Tiago Guillul não é diferente do Tiago Cavaco. Música divertida, produto de uma cabeça muito bem resolvida. Como o invejo.

10.30.2008

Kiss kiss bang bang













«Lee, looking decidedly like The Caine Mutiny's Captain Queeg, was peering at her, his bushy grey eyebrows rising up and down. He closed one eye in a conspiratorial wink, cupped his hand to the side of his mouth, and asked her in a well-heard stage whisper, 'Did anyone ever kiss your cunt?' Lee wanted, I'm sure, to shock by using that word, though he was somehow able to use it in a way that wasn't quite as bad as if someone else had. No one could get away with it like he could. This lovely woman was silent for a moment, then drew herself up and in her very proper manner replied quite haughtily, 'As a matter of fact they have.'»

Lee, A Romance, de Pamela Marvin.

Just friends


A idade maior


















Fotografia: Stefano Unterthiner (Prémio Wildlife 2008)

Discutir em vão






















Se o critério for convergência de popularidade, longevidade e respeitabilidade crítica penso que é seguro eleger os Beatles, os Led Zeppelin, os Pink Floyd e os Rolling Stones como as melhores bandas de todos os tempos. Os nomes do meio não entrariam nas minhas contas até há meses atrás, mas a idade ajuda a remediar injustiças, o que leva a que apresente a tetralogia reformulada. Na cauda, os Beatles, para imensos tremenda injustiça. Paciência. Depois os Rolling Stones (O Exile on Main St., o Sticky Fingers, o Beggars Banquet, o Let It Bleed, e o Their Satanic Majesties Request, valem para mim acima de qualquer conjunto de discos da rapaziada de Liverpool.) Na segunda posição colocaria os Pink Floyd, que saltam de um obscurantismo a que os condenei em fase imberbe da vida, e que hoje reconheço, e como reconheço, na excelência destes discos: A Saucerful of Secrets, Atom Heart Mother, Meddle, Animals, The Dark Side of the Moon ou Wish You Were Here. Uma curiosidade sôfrega acabará recompensada. Finalmente os mais tremendos de todos Led Zeppelin. Os Zeppelin agarram pela cintura e não largam mais. Um som xamânico que mexe com energias profundas, e que se vive num estado de euforia mística, pagã, ou ambas. Até Physical Graffiti, na totalidade de seis álbuns, não há segundo desaproveitado. Mesmo os instantes de silêncio entre músicas são para respirar entre êxtases.

























Os Radiohead representam aquele caso de comboio apanhado com anos de atraso. Entrei no OK Computer que me pareceu um clássico instantâneo. E quase instantaneamente rejeitei os dois álbuns seguintes: Kid A e Amnesiac. O que estranho, e que em parte me embaraça, é que os Radiohead dessa altura gozavam já de culto significativo que não se explicava aparentemente pelo grau de experimentação que então trilhavam. Os Radiohead de Kid A e do seu sucedâneo são aquilo que se costuma chamar de banda para músicos. Penso que existe uma bagagem musical que é preciso adquirir para melhor compreender o que eles fizeram depois de OK Computer. Foi esse o trabalho que acabei fazendo até voltar a sentir curiosidade por esses dois álbuns. Que agora se me afiguram como dois estupendos discos: que recolhem elementos da electrónica, do neoclassicismo orquestral, e do psicadelismo, que uma vez juntos dão origem a uma música mais coesa do que as primeiras audições possam sugerir. E onde o apelo da melodia é muito mais forte e intenso, como brechas de luz que rasgam um corpo granítico.




















Tão bom como aquilo que referi a propósito dos exemplos anteriormente citados é o que se reúne neste disco dos Popol Vuh, In den Gärten Pharaos. A banda de Florian Fricke, Holger Trulzsch e Frank Fiedler teve o mérito de imaginar uma música só sua a partir de elementos cultural e geograficamente díspares, que sendo francamente moderna (e então à época, inícios de 70!) trazia consigo uma qualquer marca de tempos imemoriais. Chega-se ao âmago do trabalho dos Popol Vuh por um processo de desarmamento da interpretação. O caminho vai da impressão causada pelos sons naquilo que estes têm de concreto, para que depois se dê o passo seguinte. Uma rota que se permite ser tão pessoal quanto mais numerosos sejam os destinatários. Imagino a música deste disco como a interpretação que uma civilização extraterrestre faria a partir da recolha de elementos musicais do nosso planeta a que a mesma teria tido acesso na sua forma rarefeita. A música de In den Gärten Pharaos oferece espaço de arejamento para que o seu poder sugestivo possa assumir as mais diversas formas. Exótica e muito além.

Vinicius

Se hoje às dez não vou ao Olga Cadaval, é em grande parte por causa disto aqui.

Filho único


























Não contentes com o facto de terem aqui das mais bonitas capas dos últimos anos, os Endless Boogie apresentam um disco - «a 79-minute behemoth of mid-tempo choogle, stoned rants, and more beer can raising leads than you can shake a confederate flag at» - que ficará na história das edições de 2008. O nome da banda diz quase tudo.

10.29.2008

Lad scapes




O som da sauna


























Tenho avançado na direcção da origem da discografia dos Stars of the Lid, e outra coisa não encontro que a perfeição. Uso o termo não pela facilidade que o mesmo pressupõe, a sonoridade do duo norte-americano (Brian McBride, Adam Wiltzie), a funcionar nos últimos anos dos dois lados do Atlântico, revela um polimento de tal modo sofisticado que é como se a constatação de que nada houvesse a melhorar desde os primórdios, não tivesse obstado à progressão da discografia do projecto. A música dos Stars of the Lid, totalmente instrumental, trabalha sobre a linha do horizonte, expandindo a nossa percepção, convidando à distensão dos sentidos. Um banho tépido onde nos tentamos a perder o pé. Não é simples de tornar objectivo, são camadas de som sobrepostas que sugerem ambientes que pouco têm de concreto, para os quais as palavras se mostram dispensáveis. Melhor escutar. Melhor deixarmo-nos ficar assim mesmo.

Tons sobre tons






Bola branca





















© MJC

10.27.2008

W.

Não pretendo recusar a existência de compaixão no olhar de Oliver Stone, coisa que o realizador tem manifestado nas entrevistas sobre o filme. Mas para quem não conheça por dentro "aquela" América, a sátira parece-me o tom ajustado para caracterizar W.. E como sátira política já vimos melhor este ano: por exemplo Charlie Wilson's War, de Mike Nichols e com Tom Hanks no papel do congressista texano, que nem sequer era obra para causar espanto. W. dá a ver um representante da Nação que come de boca aberta, que passa as mãos por água após levantar-se da sanita, e várias outras situações de um retrato grotesco. Porque Oliver Stone assim quis.

O canto da crisálida


























Canções de embalar adultos, sonhos ou pesadelos de um fabulário muito pessoal, naturezas que se desejam mortas e renascidas e livres das dores do mundo material. A estranheza é a mesma e será menos estranha para quem tomou anteriormente contacto com a discografia de Antony Haggerty. Another World é Ep que se avisa como até breve que falta já pouco: em Janeiro sairá o álbum The Crying Light. E quanto a Another World, participa da beleza de I Am a Bird Now, um minimalismo instrumental (acordes insistentes e ténues apontamentos de câmara) onde a voz se projecta entre o espiritual branco e a canção impressionista revisitada.

10.24.2008

Bardo Pond




















Por eles próprios. Esta música queima.

10.23.2008

Nunca digas nunca


























Clicar sobre a imagem para contemplá-la em todo o esplendor.

O mesmo olhar

































O nosso olhar cruzou aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui e aqui. Acho que posso dizer que nenhuma actriz contribuiu para a minha educação sentimental como a Emmanuelle Béart dos anos 90, dos filmes de Chabrol, Rivette e Sautet. Não desfazendo do resto do corpo, o sortilégio ter-se-á dado pela porta do rosto: por estes olhos, este nariz, estes lábios e por todas as efélides que o sol ajuda a descobrir e que carregam de estrelas a escuridão da sala. Emmanuelle, que nome tão apropriado.

Tudo muito triste



















Devo desde já dizer que pensava passar ao lado do filme W. de Oliver Stone, pela simples ordem dupla de razões. Primeiro, porque regra geral o cinema de Oliver Stone deixou de me entusiasmar. Depois, porque me parece de um grande oportunismo fazer sair W. num momento em que Bush se despede da presidência norte-americana, e em que muito do que se prende com a vontade universal de eleger Barack Obama para o lugar passa pela tentativa de colar John McCain à actual Administração. Dito isto, vou directo àquilo que motiva o meu maior entristecimento. Na edição desta semana da TimeOut faz-se um pró-e-contra em relação ao filme de Stone, que abre com este mimo: "É o filme por que toda a gente que odeia o presidente dos Estados Unidos da América, George W. Bush, (ou seja, 90% da população mundial) estava à espera. Mas... será que valeu a pena?". Será que o mundo está assim tão carregado de ódio (palavra fortíssima), ou isto não passa da pobreza jornalística que só vê indignação em tudo o que toca? Mais à frente, os dois críticos (o "a favor" e o "contra"), de uma forma menos tendenciosa, o primeiro, e mais primária, o segundo, parecem chegar à mesma conclusão: a de que os méritos ou debilidades do filme de Oliver Stone se medem na capacidade de este corresponder à expectativa dos que supostamente vilipendiam o Presidente dos Estados Unidos.
Palavras de André Santos: "Oliver Stone não tenta ser polémico em W.. Se motivos existem para tal, é por razões inesperadas: a visão neutra que pinta do actual presidente dos Estados Unidos. Diga-se que é neutro demais até, o que resulta numa imagem que favorece o presidente e pela qual não deixamos de sentir alguma simpatia e compreensão. " E palavras de João Miguel Tavares: "(...) toda a gente estaria à espera que o filme fosse a demonstração visual de uma verdade hoje em dia aceite (quase) universalmente, e que se pode resumir sem grande perda de rigor numa frase de quatro palavras: Bush é um idiota. Só que o Bush de W. não é um idiota e até tem – imagine-se – uma ou outra qualidade. Oliver Stone procurou uma abordagem subtil, senão mesmo justa, do mais odiado presidente americano de todos os tempos, e o resultado é um filme híbrido, que nem é carne nem peixe: demasiado sério para ser sarcástico; demasiado simplista para ser factual." E mais, do mesmo: "É triste, mas pelos vistos George W. Bush nem sequer para biopic serve." Pelo que se lê, dá a ideia de que 90% da humanidade tem uma ideia precisa de quem George W. Bush é, e sente-se na obrigação de rejeitar um retrato que não o trate como uma besta e um fracassado. E isto para não nos metermos por territórios do cinema e da sua linguagem e pela legitimidade de alguém, Oliver Stone, ou outro realizador qualquer, para apresentar a sua versão da mesma pessoa feita personagem. Confesso ainda que isto me dá vontade de ver W. o mais rápido possível e, digo mais, de gostar do filme em reacção ao que outros escreveram sobre ele. Não tenho pretensões de saber quem seja George W. Bush (além da impressão que tenho dele no desempenho das suas funções), e muito menos canalizo energias para odiar seja quem for.


Para uma visão mais justa, porque não recusa a complexidade da figura e do seu tratamento cinematográfico, sugiro a leitura de dois posts do João Lopes: aqui e aqui.

10.22.2008

Parabéns Paulo Bento















Lucescu said Liedson is the most dangerous player. Is he?
If Lucescu thinks so, I wouldn’t object it. Liedson is a considerable enforcement of our team.

Pelos três anos à frente do Sporting. Por nos ensinares que é preciso saber sofrer: sobretudo contra equipas cujo investimento é significativamente superior ao nosso.

"The Long Holiday" (doclisboa 2008)

Johan Van der Keuken é autor dos documentários que mais me impressionaram até hoje: este The Long Holiday e também Amsterdam Global Village (que dura uns tremendos 245 minutos). Recomendei Van der Keuken aos amigos e conhecidos, e ontem às 23h lá estava eu para oferecer "o peito às balas". Nada se alterou relativamente à memória que tinha do filme - uma sensação profunda feita mais de impressões que recordações de cenas, figuras ou locais. Johan Van der Keuken partiu para The Long Holiday após lhe ter sido diagnosticado cancro da próstata. Da constatação da morte por assim dizer comunicada, o documentarista holandês foi em busca da vida nas suas tão particulares incidências. Passou pelo Tibete, Butão, Burkina Faso (onde estão essas duas fabulosas sequências, uma com um número interminável de crianças que dizem o seu nome para a câmara, outra em que mulheres de trajes vistosos conduzem motorizadas pelas ruas de Ouagadougou, imponentes, depois de termos escutado um testemunho de indignação face à hoje clandestina prática da excisão) Brasil e Estados Unidos, e pelo meio foi regressando ao seu país para se inteirar da evolução do tumor.
O que é maravilhoso no trabalho de Van der Keuken passa pela disponibilidade do olhar, pela curiosidade face às manifestações do mundo (mundo esse que ele nos torna familiar até nas culturas mais remotas), pelo modo como usa a câmara para se aproximar das pessoas e das situações com uma postura gentil mas interrogativa. The Long Holiday será a obra mais serena que encontraremos tratando do tema da morte, que mesmo nos momentos de maior vitalismo não deixa de estar presente - até porque Van der Keuken deseja terminar o filme e confronta-se com as limitações físicas que surgem: havendo a tendência de ampliarmos os sinais que o corpo dá quando se sabe que se tem cancro; uma indicação nova poderá ser lida como se a morte estivesse mais iminente.
Van der Keuken elenca visões distintas sobre esta questão (da preparação para aceitarmos a morte), tão distintas quanto as que um monge tibetano ou um médico oncologista de Utrecht podem dar. A última cena (ou última ceia) de The Long Holiday mostra-nos o realizador reunido com familia e amigos durante um almoço, com a câmara a registar a boa disposição geral, certamente a imagem que Van der Keuken quis preservar daqueles que ama. Mas as derradeiras imagens são pontos de luz reflectidos pelo mar, que parecem remeter para o mistério da vida e para todas as partículas que a constituem. Um belíssimo apontamento pujante de força metafórica que é também das mais belas despedidas que o cinema nos deixou.

10.21.2008

À suivre













Poderá este homem, Jacques Rivette, octogenário desde o corrente ano, ser o mais importante cineasta em actividade? A ideia tem-me assaltado em tempos recentes fruto de comentários lidos pela blogosfera, de instantes dos seus filmes que acorrem fulgurantes (as mulheres de Rivette, et voilá), e da notícia da saída directa para DVD do seu ainda último filme, cujo título traduzido literalmente dá qualquer coisa como Não Mexam no Machado, embora suspeite que mais fiel seria traduzir por Não Brinquem com o Fogo. Que a julgar por umas quantas estimáveis opiniões deve ser fabuloso. Sei que me aproprio de combate alheio, mas prometo trabalho para breve.

There's no video here

Metereologia














Veio chuva. Mais chuva virá.

Ildo

















O Francisco lembra os quatro anos passados sobre a morte de Ildo Lobo. Fixemo-nos na voz, esqueçamos a biografia. Uma voz como não haverá outra. Uma benção, sim, porque fomos abençoados.

10.20.2008

Leiam e comovam-se

«O rapaz que era bom

O que será feito daquele rapaz de quem ela dizia «e se ele era bom na cama»? Ainda será bom na cama? Não faço ideia quem seja, mas é quase meu amigo, uma espécie de passado nada remoto e poético que ela não tinha esquecido, aquele «e se ele» quase em português antigo, não fosse o tema português moderno. Foi um rapaz que a fez feliz, merece por isso a minha gratidão. Que será feito dele? Ainda será bom na cama? Será que ela ainda pensa nele ou tornou-se com os anos num artifício retórico? É um padrão? É uma desculpa? Quando ela diz «e se ele era bom na cama», significa que foi isso tudo o que dele ficou? E se foi tudo, não é muito já? Que será feito desse rapaz, será que ela ficou «boa na cama» nas recordações dele? Eu simpatizo com ele, mais títere de conversa que gente concreta, mas gente concreta para ela, que dizia o «bom na cama» como uma felicidade objectiva, mesmo se não gostava dele. Que é feito dele? Ainda entra nas fantasias dela? Ainda se encontram na noite e têm relâmpagos de coreografias? Quando ela toca num homem agora, pensa alguma vez nos músculos da barriga ou nas omoplatas do rapaz que era bom na cama? E quando é tocada por um homem, será que ela fecha os olhos e deixa que as imagens se confundam? Nunca? Sempre? Às vezes? Alguma vez fala dele, «e se ele era bom na cama», desvalorizando o que valoriza, dizendo, como gosta, uma coisa e o seu oposto? E o rapaz? Ainda será um rapaz ou já um homem, já não tão bom na cama, ou bom mas cansado, ou triste com coisas da vida? Ou estão perfeitamente todos, ela e os homens dela, saudáveis e seguros, capazes de prodígios, como no poema fazendo nascer lilases da terra morta, misturando memória e desejo, reavivando raizes gastas com a chuva da primavera?»

Pedro Mexia

"Dong" (doclisboa 2008)
















Dong foi produzido na altura de Still Life e parte da acção tem lugar no mesmo espaço geográfico da barragem das Três Gargantas, tendo também a dado momento como figura secundária o protagonista daquela ficção (em pose na imagem). Trata-se em termos genéricos de um documentário sobre o pintor Liu Xiaodong e sobre a produção de dois trabalhos deste, sendo que o segundo decorre na cidade de Bangcoque, Tailândia. Os méritos de Dong, e do restante trabalho de Jia Zhang-ke que conheço, resumem-se na última frase do documentário, escutada da boca do pintor Xiaodong: cito de memória, "o objectivo do meu trabalho é mostrar a dignidade intrínseca a todas as pessoas". Outra coisa não faz Jia Zhang-ke, e isso suscita parte da comoção em torno da sua obra. Mas o olhar de Zhang-ke tem elementos de originalidade só dele. A sensibilidade para o enquadramento por onde apetece dirigir o olhar, o ritmo que permite a interpretação dos vários elementos (Zhang-ke é particularmente brilhante a captar os rostos e os corpos, transmitindo uma aura de subtil compaixão que só a escala do plano e a duração podem decidir), uma acuidade para dar a ver a condição humana (muitas vezes em regiões remotas, algumas desoladoras) sem qualquer espécie de panfletarismo. Jia Zhang-ke é dos mais importantes cineastas revelados na última década, e se Dong não é tão fascinante quanto Still Life, justifica a existência perfeitamente autónoma ou então o irresistível jogo dos paralelismos.

Nota negativa: a sessão foi introduzida por uma curta-metragem mais antiga do realizador, In Public (2001), exibida na íntegra sem som e legendagem, sem que qualquer elemento da organização tivesse solucionado o problema ou apresentado uma explicação.

10.19.2008

"Aka Ana" (doclisboa 2008)



















É o mais recente trabalho do fotógrafo Antoine d'Agata (n. 1961). Tão recente, aliás, que ainda não consta na sua página da Magnum Photos. Vamos para este filme de Agata atraídos pelo perfume do choque (o francês estudou com Larry Clark e Nan Goldin), pelo grafismo da pornografia. Mas rapidamente somos sorvidos e atirados para a escuridão de uma cave funda. Antoine d'Agata filma as noites da prostituição de Tóquio pelo seu lado mais anónimo e claustrofóbico. É raro aqui sair-se do quarto (escuro), quando não dos rostos distorcidos e dos corpos igualmente espectrais. É tumulto de uma hora que gela o sangue, mas onde as emoções podem surgir como rasgos. Ligeiros espasmos de quem encontra beleza, alguma poesia no trabalho de Agata, que do ponto de vista estético é também intenso e fortemente manipulado. As imagens foram obtidas com recurso a infra-vermelhos que captam as práticas sexuais em pormenor, e a estas é sobreposta a litania onde uma voz feminina se refere de modo mais ou menos metafórico (sempre a mesma voz) ao efeito de objectificação que ocorre sempre que um homem busca o prazer utilitário em corpos que se tornam na abstracção de todos os outros. Há que reconhecer o moralismo: mais no texto que nas imagens. As imagens são belas, estranhamente belas, convulsivamente belas, camadas de um pesadelo de que nos queremos libertar, mas que ao mesmo tempo nos atrai. Havia uma vertigem no trabalho de Antoine d'Agata fotógrafo a que este filme, Aka Ana, empresta movimento. Assim como o cinema emprestou maior abismo às imagens passadas, estáticas, que projectadas nos parecem mais presentes.

10.17.2008

"Z32" (doclisboa 2008)

A organização do doclisboa escolheu o último filme do israelita Avi Mograbi para abrir a edição deste ano. A opção recaiu num objecto a vários níveis desconcertante. Mograbi filma um ex-soldado israelita de uma unidade de elite que se dispôs a reconstituir para a câmara os acontecimentos de uma missão de retaliação (a um atentado terrorista) de onde resultou a morte de alguns polícias palestinianos. Os rostos do rapaz e da namorada (esta funcionando como espécie de espectador naturalmente comprometido) foram disfarçados na pós-produção com um conjunto de máscaras que vão do comum desfocar da imagem até à colocação de uma caraça digital que ajuda a dar um aspecto de teatralização às imagens e à narração. E a desconstrução não se fica por aqui. Avi Mograbi vai intercalando alguns números musicais que o próprio interpreta (sobre palavras suas), e onde a ambiguidade moral do projecto é mais pulverizada ainda. A questão do reconhecimento da identidade do ex-soldado é constantemente referida. Caso fosse descoberta, é natural que ele viesse a estar em muito maus lençóis. E o espectador procura instintivamente tentar encontrar as feições verdadeiras daquele que confessa um crime de guerra que adquire contornos pouco reais, porque demasiado realistas. Ouvimos falar na rapidez da operação, no barulho ensurdecedor dos disparos, dos vultos palestinianos na noite, e a impressão que fica é que a hipótese de remorso acaba sendo atenuada por estes vários factores. A morte resulta camuflada pelas contingências da operação, e até mesmo o exercício de rememoração não deixará sequelas no protagonista. O mesmo já não poderá ser dito em relação à sua namorada, que parece mais perturbada pelo testemunho do que o confessor. Z32 é um objecto claramente inteligente, que deixa atrás de si campo aberto à especulação. A narrativa detona à nossa frente mas é provável que o efeito dos estilhaços só se venha a fazer sentir naqueles que estejam dispostos a reflectir mais tarde no processo de construção do filme. Estamos habituados ao relato emocional deste tipo de episódios (e para exemplo recente temos o filme de Paul Haggis, No Vale de Elah), e Avi Mograbi sabota constantemente essa possibilidade. O que parece interessar ao documentarista é o processo de desumanização que se opera num tropa especial colocado perante situações extraordinárias, e as suas consequências (ou ausência destas). A morte como catarse de um condicionamento intensificado no decorrer do treino militar, que ela se permite aliviar. Os factos narrados parecem fazer parte de uma cadeia de sonho ou de uma experiência sensorial que apaga a identidade do outro. Como se a morte sem rosto não passasse de um pesadelo.

10.16.2008

Bom trabalho, mau trabalho
















John McCain e Barack Obama saúdam-se no final do terceiro e último debate entre ambos. Pudemos então ouvir da boca de McCain, repetidas vezes, o comentário, "good job, good job, good job...".

Contra evidências acumuladas em contrário, Carlos Queiroz garante que Portugal se qualificará para o Mundial da África do Sul. Falta saber se os jogadores partilham desta sua fé.

10.15.2008

E depois do luto





















O mundo travou conhecimento com o luto de Alex Beaupain na medida em que aspectos da sua biografia - em concreto o falecimento de uma namorada - estavam no centro de As Canções de Amor, filme muito estimável de Christophe Honoré. 33 Tours traz canções novas, novíssimas, mais ainda tendo em conta que o filme também recuperava temas do primeiro disco de originais de Beaupain, Garçon d'Honneur. Aqui sem a bengala ficcional e quase sem os rostos do cinema francês de hoje (a excepção vai para a faixa #2, Comme la Pluie), a tarefa de Beaupain afigura-se trabalhosa. As suas canções pop de travo electrónico convidam a escutas repetidas porque são feitas da reunião de elementos discretos, porque a voz de Beaupain é suficientemente anónima, e porque o seu sentido da melancolia não é dado a grandes profundezas. Mas o talento está lá, isso posso garantir. Há música depois do luto, não necessariamente mais exuberante, mas serve de prova de vida criativa: a seguir.

Contar até três







10.14.2008

A valsa dá três voltas


























Há excentricidade, há como sempre houve muita fantasia, o jogo com as palavras, a língua francesa feliz e contente (mas não tonta de contente, ou das voltas que dá em torno de si mesma). Ninguém negará que Thomas Fersen é de alma um classicista. Não fazer confusão com purista. O título Trois Petits Tours parece referir-se ao ritmo da valsa, um dos que o músico francês namora com frequência. As últimas notas da última canção é desse modo que assinam, e se despedem.
É pena que os seus discos nunca tenham sido comercializados em Portugal. Que Fersen não nos tenha visitado até hoje. Ele dá um belo clown, e já provou pouco mais precisar que um ukelele e um chapéu alto. Neste disco as coisas voltam a ser um pouco mais elaboradas. Se ficaram curiosos ou se conheciam a figura, têm sempre a internet para fazer a comprinha.

256 mm





















«J. F. Kennedy disse: não perguntes o que é que a Pátria pode fazer por ti, pergunta é o que tu podes fazer pela Pátria.
Parafraseando: não perguntes, a seguir a teres visto o último filme de Clint Eastwood (qualquer que ele seja), se gostaste ou não do filme: pergunta a ti mesmo se estás ou não à altura do pensamento eastwoodiano.»

Eastwood da Silva

(Clint fotografado em 2007 por Nicolas Guerin.)

10.13.2008

É da natureza humana























Se fosse assim seria sempre mais justo. "Como assim?" A mordacidade de par com o amor. A ironia de par com a ternura. E nesse equilíbrio escorregadio jogando à grande arte. Ziguezagueando por entre as contradições do país que espelham as contradições dos que nele vivem. É provável que Randy Newman seja o mais elegante dos escritores de canções políticas. Maior probabilidade é a de que o venha(mos) a apreciar cada vez mais à medida que os anos vão passando. Por ora limito-me a gostar na medida do meu gosto. Ciente da distância. Sem pressa de a encurtar. Desfrutando do sentimento intemporal destas canções.

Kristoffer son


















A minha admiração por Kris Kristofferson não é de agora. Despontou provavelmente ao escutar a banda-sonora da versão A Star is Born com Barbra Streisand, um dos últimos discos que o meu pai levou para nossa casa. A voz de Kris Kristofferson é, já adivinharam, um prazer tântrico. Que reencontrei recentemente ao escutar o seu primeiro álbum, Kristofferson, de 1970. Ainda melhor quando ele se limita a falar. Ouve-se o primeiro tema, Blame It on the Stones, e é Leonard Cohen que escutamos. Depois vem-se a saber que Kristofferson gostaria de ter por epitáfio os primeiros versos de Bird on a Wire: «Like a bird on a wire/ Like a drunk in a midnight choir/ I have tried in my way to be free». Quem não gostava de poder merecê-los? Já que aqui estamos, também me ocorre a excelente entrevista dada por António Lobo Antunes a Anabela Mota Ribeiro, que o Público trazia ontem. Masculinidades que se confundem. Pais. Filhos. Para levar outras achas à confusão posso acrescentar que sempre digo que desejo envelhecer como Clint Eastwood, mas com a barba que trago hoje parece-me mais plausível que os anos desçam sobre mim como em Kris Kristofferson. Tudo bem, desde que o meu pai comprasse um disco meu.

T. bottle





















Gostar de Talisker é um prazer tântrico.

Mr. T




















Gostar de Isaac Hayes é um prazer tântrico.

Verde sobre verde

















Harold Budd e Portished. Other green worlds. O que eu sobreponho, só eu posso separar.

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