1.22.2008

Condutores de histórias















Robert Mitchum fotografado por Terry O'Neill

The Yakuza, realizado por Sydney Pollack em 1974, é um filme que ainda impressiona pelo sentido de economia narrativa. E também pela capacidade de não sacrificar a gravidade do tom geral às inúmeras revelações e reviravoltas do argumento: história de Leonard Schrader desenvolvida pelo irmão deste, Paul, e por Robert Towne. Uma cena que me marcou em particular, agora, cerca de vinte anos volvidos sobre a última vez que o vi, tem lugar quando Tanaka Ken (Takakura Ken) pergunta a Harry Kilmer (Robert Mitchum) se aranjara família após ter regressado aos Estados Unidos: Mitchum interpreta um ex-polícia militar que estivera no Japão ocupado pelos norte-americanos no período que precedeu a 2ª Grande Guerra. Nesse tempo Kilmer viria a apaixonar-se por uma japonesa (Eiko) e a cuidar dela e da filha (Hanako), ainda criança. Tanaka Ken continuava sendo para Kilmer - de regresso ao Japão duas decadas depois e às cidades de Tóquio e Quioto que, curiosamente, também na língua inglesa usam em rigor as mesmas (no caso cinco) letras: T-O-K-Y-O/K-Y-O-T-O - o irmão de Eiko, embora venhamos mais tarde a saber que o grau de parentesco é de outra natureza. A resposta de Kilmer/ Mitchum é negativa, o que na minha opinião dá acesso ao tema central do filme. O da perda da família que escolhemos para nós e que identifica tanto o indivíduo como a família onde nascemos: e mais ainda se se pensar que a segunda família é aquela que existe no prolongamento da vida adulta. Kilmer e Tanaka Ken são ambos orfãos da mesma família a que em momentos diferentes pertenceram. Talvez isso os aproxime com essa força que se manifesta em rara nobreza de carácter. Estes homens compreendem-se um ao outro como se fossem os mais íntimos irmãos, amigos, camaradas. O seu pacto supera qualquer obstáculo e encontra-se para além do entendimento dos restantes personagens. Mas não do espectador, hélas, daí o fascínio que este filme exerce sobre mim como só as coisas primordiais podem fazer. Num dos extras do DVD, intitulado Promises to Keep, Sydney Pollack refere-se à dificuldade de encontrar um tema entre vários que no interior do seu filme justifique o destaque. E acaba citanto um poema de Robert Frost, Stopping By Woods On a Snowy Evening, para falar daquilo que talvez considere ser o mais essencial e que passa pelos pactos que as circunstâncias levaram a que se estabelecessem entre os personagens e a obrigação ao seu cumprimento, no japonês "giri". Tanaka Ken explica que a palavra/conceito/ideia tanto pode ser entendida por "dívida" como por "fardo". Tudo depende da consciência de cada um, algo que também condiciona o modo como este grande filme de Pollack poderá ecoar no interior de cada espectador. O sono a que se refere o poema de Frost é a própria morte e aquela "dívida" - assumida nas suas diferentes formas - fará connosco a maior parte do caminho.

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