No seu número especial de Natal e de Fim-de-Ano, a revista Inrockuptibles pediu a alguns dos eleitos pela redacção nas diferentes áreas para escreverem sobre o 2007 deles que chegava ao fim. Éric Reinhardt, autor do romance
Cendrillon, falou sobre a promessa celebrada com a mulher, a quem fora diagnosticado cancro da mama, e que passava por ela vencer a doença e ele obrigar-se nesse período a concluir o romance. O testemunho de Reinhardt é de tal modo íntimo, não escondendo o que de mais profundo pode um casal partilhar perante um problema desta natureza, que o mesmo se pergunta a certa altura do texto, "Pourquoi je raconte ça, ces choses si personelles, par exhibitionisme?". E depois, com desarmantes honestidade e modéstia, dá a resposta óbvia. Porque de entre os leitores da Inrockuptibles talvez existisse alguém que estivesse a passar por um drama semelhante e ele pretendia deixar uma palavra de encorajamento. Pretendeu mais ainda e é nesse momento que o texto de Éric Reinhardt se transcende: começando por referir que olhando retrospectivamente para o período em que esteve doente, a mulher do escritor francês disse sentir uma espécie de nostalgia. Reinhardt não esconde que o termo pode parecer inapropriado, chocante até. Ele que sempre ouvira dizer que casais que fossem colocados face a uma situação idêntica tenderiam a afastar-se, que a mulher perderia a sua dignidade, que o desejo desapareceria, que os amigos afastar-se-iam, que os filhos ficariam traumatisados, que o quotidiano se transformaria numa experiência desoladora. Que a doença, mesmo se vencida, destruiria tudo à sua passagem. O que Reinhardt nos diz hoje, nesse texto da Inrocks, é que nos devemos comportar sempre de forma a nos tornarmos nostálgicos. Que devemos procurar, custe o que custar, a beleza das coisas. A beleza do presente, de estar junto, de lutar em conjunto, de amar o outro sendo correspondido. Amor, na definição de Éric Reinhardt, (e aqui de novo não traduzo) "...
et une proximité urgente, entiére, incandescente, qui donne un prix inestimable à chaque instant." Quantos de nós estão à altura de amar assim? Não olhem para mim que humildemente, e com as mãos tapando o rosto, acabo de abandonar a cena.
Não sem antes deixar...
Nota 1: a imagem diz respeito ao filme Brigadoon, de Vincente Minnelli, a mesma que usam na Inrocks pois trata-se do filme fetiche de Éric Reinhardt referido frequentemente no seu livro.Nota 2: O disco Boxer, dos The National, não consta do top 50 dos redactores da Inrocks. ESCÂNDALO que não é sequer atenuado pelo facto dos leitores da revista não terem eles também incorrido em tão imperdoável falta de atenção.