2.06.2012
O intruso
Os elementos da Academia podiam ter esperado uns anos, mas é justo louvar a capacidade para reconhecer, antes mesmo de ter amadurecido, o talento de Diablo Cody de escrita para cinema. Young Adult começa por ter um estupendo argumento, daqueles que parecem concentrar o conjunto de elementos que assegura o brilhantismo da construção de personagens e cenas. Juno (2007), realizado igualmente por Jason Reitman, era bom filme, embora de inferior calibre.
A crise de meia-idade pode atingir, e por antecipação, mesmo aqueles que se recusaram a deixar de ser jovens, como é o caso Mavis Gary (Charlize Theron) que regressa à terrinha da adolescência para resgatar uma antiga paixão, convencida de que isso representará o melhor novo rumo a dar à sua vida . Young Adult conta a história do patinho feio ao contrário: a raínha da beleza de então, os anos 90 (muito elogiada pelo cabelo que hoje arranca, folículo a folículo, em situações de stress), volta a Mercury, no Minnesota – onde se sentem as marcas que deram origem à estética grunge, junto com outros elementos que associamos à "smalltown America" –, para fazer figura de intruso ressentido que atravessa os dias de bebedeira em recauchutagem, num processo autodestrutivo que dá a ver alguém que foge o tempo inteiro à realidade. Mavis pode até pensar que o obstáculo à sua felicidade é a criança recém-nascida de Buddy (Patrick Wilson), o seu amor de Liceu, mas o único adversário de Mavis é ela própria ou o seu desdobramento na heroína dos livros que escreve para adolescentes. E o que a literatura não ajuda a convencer o álcool transforma em esquecimento momentâneo.
A protagonista daquele que é o melhor filme de Jason Reitman até à data, um objecto carregado da mágoa e crueldade dos dias vulgares (e das noites banais), faz lembrar na sua deriva e caos interior algumas personagens vividas por Gena Rowlands nos filmes do marido John Cassavetes. Young Adult tem o seu trauma situado nos 90 do século passado, que correspondem à idade da inocência de Mavis, se ela terá tido uma, mas para situarmos o filme de Reitman em termos cinematográficos é necessário recuar se não duas décadas, uma pelo menos. Há aqui qualquer coisa do Something Wild (1986) de Jonathan Demme, ou dos filmes de Coppola ou John Landis. O entretenimento é servido com amargura, o desencanto da passagem de um tempo para sempre irrecuperável.
Claro que a galeria de "notáveis" não se esgota em Mavis. Temos aquele que se tornará seu confidente, Matt (Patton Oswalt, uma revelação), um tipo outrora desprezado por todos, Mavis inclusive, por supostamente ser gay, vítima de um "crime de ódio" no Liceu que o deixará parcialmente incapacitado, e também o atrás mencionado Buddy que Patrick Wilson investe de normalidade e alheamento que entram em total contraste com as intenções e os avanços de Mavis. Young Adult é um grande filme de equívocos que apresenta uma possibilidade de lhes sobrevivermos: quando não aguentamos a pressão de viver com aquilo que somos, reinventamo-nos no que pode ser um exercício de excentricidade. Brilhante e surpreendente.
P.S. Pois que vimos outros filmes sim senhor, e uma vez que nos três casos em apreço a concordância foi completa, faço das palavras da Lia palavras minhas.
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