1.11.2010
Antes das férias do senhor Delerm
Entre 23 de Janeiro e 18 de Julho do ano passado, Vincent Delerm andou na estrada percorrendo a França e países vizinhos com o último CD, Quinze Chansons. A digressão está agora documentada num livro de fotografias e reflexões da autoria do próprio, que traz também o DVD filmado em duas noites consecutivas no Bataclan de Paris, em datas coladas à recta final da tournée. O livro + DVD intitula-se precisamente 23 Janvier - 18 Juillet 2009, o que reforça a sua componente diarística. Felizmente Vincent Delerm continua a não levar-se a sério. Aliás, o único elemento sério das suas canções é a marca de nostalgia, que nunca antes havia passado para o palco como aqui. Delerm constrói toda a actuação em torno da ideia de pequeno espectáculo de variedades, que mistura música, teatro e surpreendentemente (ou não) bastante cinema. Abre com o vibrafone de Nicolas Mathuriau, logo após a entrada em cena dos três músicos, ocultados por retratos de corpo inteiro de actrizes do período clássico de Hollywood, recortadas em contraplacado, nos braços de galãs igualmente vestidos a rigor cujas cabeças foram trocadas por imagens de rosto dos músicos no palco: além de Delerm e Mathuriau, o extraordinário multi-instrumentista, mas primeiramente trompetista, Ibrahim Maalouf. O vibrafone substitui-se à orquestração em disco do tema Tous les acteurs s'appelent Terence, e parece citar o Midnight Sun interpretado por Lionel Hampton. Seja como for, está dado o mote do concerto que revisita por igual a discografia completa de Delerm, mostra alguns inéditos (Jamais prende des risques à Paris e Lincoln Palace, por exemplo), homenageia em modo clownesco Chaplin, Tati, Woody Allen e Truffaut, e dá a conhecer episódios narrados por Delerm, que adora subverter a aura de pessoa culta, brincando com quem apelida a sua música de "varieté française au sens snob du terme". Como escrevi no início, Vincent Delerm leva tudo no gozo excepto a nostalgia. É a nostalgia que fica em fundo neste espectáculo, nas imagens projectadas no ecrã, nas vozes gravadas que servem os interlúdios entre canções, no ambiente de cabaret reforçado pelas movimentações do cenário e pela iluminação a fazer arte pobre, e na performance teatral dos músicos, figuras de tragicomédia que se projectam até aos primeiros anos do século passado. Eles vestem as canções ao mesmo tempo que lhes despem os arranjos, e isso é muito bonito de ver. E de ler.
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