5.18.2009

Se conseguisse sentir aquilo que penso, aquilo que sei

Todos precisamos de consolo, e este consolo tem pouco de sexual (ainda que, na nossa língua, a palavra "consolado" tenha uma conotação sexual). Penso nela no sentido de conforto íntimo, de satisfação. Às vezes, como não conseguimos descobrir essas formas de consolação amplas, ficamos por formas pequeninas de consolação; entre elas, a sexual. E isto não é desprezar o sexual!, que acho muito importante. Mas não acho que tenha a centralidade que noutras fases da vida lhe damos.

O falhanço das relações não decorre, tantas vezes, de se olhar para o outro como ele é e não como estava projectado na nossa imaginação e desejo?
Qualquer pessoa pode enunciar isto. Agora, constatamos todos os dias que isto que se sabe não se sente.

(...) reproduzimos coisas que dizem respeito a um tempo em que começámos a perceber que não somos únicos. E que, além de não sermos únicos, não somos centrais. Crescer é também isso. E dói. Integrar essa dor, ser capaz de lidar com ela, reestruturar coisas a partir disso é o que nos permite, enquanto adultos, viver bem as separações, os diferentes níveis de infidelidade, de autonomia.

(...) Não vale a pena, e é triste, ajudarmos as pessoas a crescer em fuga das suas próprias dores. Não há maneira de escapar à dor. Mas há maneiras de gerir melhor as dores que se têm. Essa dimensão da dor não é intrinsecamente má. É uma circunstância da nossa existência. Temos de aprender estratégias para lidar com isso.

(...) Tem imensa gente que envelhece sem alguma vez ter crescido. É dramático. Conseguem ter os seus desempenhos sociais, às vezes até brilhantes, mas não ficaram maduras de um ponto de vista emocional. Há uma definição para isso de que gosto: "Ser adulto e ajudar os outros a ser adulto." Somos, nessa altura, contentores dos limites dos outros. Há pessoas que não o conseguem. Precisam de espelhos, espelhos, espelhos que reproduzam imagens, que digam: "És bom, és óptimo, consegues." Isto, que era uma coisa narcísica e ligada a classes privilegiadas, está disseminado. A classe média faz da educação dos filhos um lugar com poucos limites, com pouca tolerância à frustração. Claro que a vida dói. Mas onde é que está escrito que não doía?

(...) O facto de uma pessoa se sentir mal amada ao longo dos anos, preterida, frequentemente determina uma busca activa no sentido de ser estimado, gostado. Normalmente isso faz-se de duas maneiras. Uma é desenvolver um comportamento hiperafirmativo/agressivo...
"Vejam como sou boa, amem-me por causa disso"?
E isso faz com que as pessoas olhem para ela/ele como sendo muito auto-suficiente. "Ela é muito boa, não precisa de nada, deixa-me ir embora." Nem se aproximam porque o outro (parece que) não dá espaço. "Ai que arrogante, que convencido." Isto é uma angústia brutal para as pessoas que estão sozinhas. Podem até suscitar admiração, mas não suscitam aquilo que querem: proximidade e afecto.

Há características pessoais e há circunstâncias felizes que nos possibilitam, apesar de tudo, transformar formas de ser. A história passa a ser: "Sou assim, não por causa do que me aconteceu, mas apesar do que me aconteceu."

Diz-se muito: "Se eu conseguisse sentir aquilo que penso, aquilo que eu sei..." Mas também: "Se eu conseguisse saber/entender o que sinto."
Não é um jogo de palavras. Isto é dito em discurso directo, tem personagens, tem acontecimentos. Dito de outra maneira: são sempre tentativas de crescimento.

Excertos da entrevista de Isabel Leal, psicóloga clínica, 52 anos, a Anabela Mota Ribeiro, na revista Pública.

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