5.23.2009

A nuvem no entanto movia-se


















À mesma hora a que os cine-filhos e cine-netos de Bénard da Costa começavam a despedir-se do Johnny Guitar na Cinemateca, eu atravessava para o Barreiro, com dois amigos, num catamarã da Soflusa. A actuação de William Basisnki teria início com longo atraso já próximo da uma da manhã, depois das escusadas primeira e segunda partes habituais neste tipo de eventos. Basinski surgiu na frente de uma tela onde se projectava a imagem de um céu azul-violeta e de uma nuvem cor-de-rosa, aparentemente imóvel. Muito lentamente o drone que percorreria a hora de actuação do norte-americano insinuava-se na plateia de quarenta pessoas, não mais que isso. Estávamos na primeira fila, e pude notar todos os movimentos de Basinski, da troca de fitas magnéticas usadas na sobreposição dos loops, às suas poses estudadas, de mão no quadril, enquanto observava, concentrado, o resultado daquele labor. A música que saía do laptop junto com o gravador de fita magnética era puro Basinski: serena, melancólica, espalhando-se pela sala que muito lentamente se apercebia de que a imagem do céu e da nuvem afinal se movia. Quase imperceptivelmente, se procurássemos fixarmo-nos nela. Dir-se-ia que evoluindo em tempo real. A actuação de William Basinski permitiu observar o modo como a sua música se forma, num quadro sonoro impressionista onde os loops se misturam vagarosamente, e qualquer nuance resulta num desafio para os ouvidos mais atentos. Total imersão, que suscitou o comentário irónico de Basinski, no final, quando se ouviam os escassos aplausos, surpreendido com o facto de termos conseguido saber das nossas mãos (após tão demorado mergulho afásico).

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