5.04.2009
"La Chatte à Deux Têtes" IndieLx09 02.05.09
«Está uma noite de Verão. Ouvem-se grilos na cidade, e venho de confirmar a descoberta de um grande cineasta: Jacques Nolot. (…)» Enviei este sms para alguém pouco depois do final da projecção de La Chatte à Deux Têtes. Dois filmes vistos, já há mais a dizer sobre o cinema do actor, escritor e realizador francês. Nolot dá-nos a sensação de filmar aquilo que bem conhece, no caso de La Chatte à Deux Têtes a comunidade de solidões que se concentra num velho cinema pornográfico de Paris, onde os homens se entregam ao voyeurismo e à masturbação, mas onde há também quem até lá se desloque para escrever ou dormir, como é o caso do personagem interpretado pelo realizador. Nolot é o exemplo do espectador comprometido, e em ambos os lados da câmara, mas a sua ética no momento de filmar é exemplar. Quero com isto dizer que ele regista rotinas que lhe são familiares, os hábitos do prazer homossexual anónimo e clandestino tal como os terá presenciado. Desprovido de afectação ou militância, expondo a faceta demasiado humana daquelas figuras, que em muitos casos nunca passarão para nós de frágeis silhuetas lúbricas que na penumbra reproduzem mecanicamente os mesmos gestos. O que impressiona na obra de Jacques Nolot (que em cerca de vinte anos produziu uma curta-metragem e três longas) pode traduzir-se pela aspereza do humano, transmitida simultaneamente com rigor e coloquialidade. Claro que o retrato que Nolot dá de si próprio é o que sobressai nos filmes por ele realizados. O duplo risco releva também de uma dose de narcisismo, mas a presença de Nolot – como ele olha e como se olha e olha o que vê – é tão imperturbada que até nos momentos da maior exposição física dos actos sexuais o cinema de Jacques Nolot sai ileso do efeito do gratuito ou escandaloso porque o seu envolvimento é ainda mais cúmplice que comprometido, e em vez de Nolot se excluir daquilo que filma, leva-nos a aceder ao reduto íntimo de cada instante. Jacques Nolot é um grande cineasta porque acrescenta um ponto de vista individual sobre o que significa ser-se humano – o que no seu cinema equivale a sabermo-nos irremediavelmente sós – à latitude das nossas experiências. E é também por isso que La Chatte à Deux Têtes é uma grande experiência de cinema.
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