3.10.2009

Últimos monstros da velha América
















Trazia Standard Operating Procedure (S.O.P.) atravessado desde que uma pessoa muito querida me descreveu a perturbação causada por este filme de Errol Morris, concerteza potenciada pelas condições verificadas numa sala da Culturgest lotada. A sessão fazia parte da última edição do DocLisboa, e creio não me enganar ao dizer que surgiram notícias de que S.O.P. viria a ter estreia comercial entre nós. Passaram-se os meses, e a eleição de Obama marcada pela esperança numa "nova" América tapou os caminhos a um objecto que se refere a uma das páginas mais negras da "velha" América: a América de Bush, Cheney e Rumsfeld que o mundo mostrou querer esquecer e depressa. Daí que a primeira coisa que surpreende no documentário de Morris é a ausência de menção às principais figuras da anterior administração. Há breves imagens de uma das visitas de Rumsfeld ao Iraque, noutra cena vê-se a fotografia de Bush desfocada em fundo, e é tudo.
O trabalho de Errol Morris consistiu em entrevistar os protagonistas das torturas na prisão de Abu Ghraib, de que resultou um conjunto de imagens infames que correu mundo. Os relatos surgem na primeira pessoa em grande plano, provavelmente usando igual dispositivo que Morris tinha experimentado no anterior documentário The Fog of War: os rostos parecem ter uma presença hiper-realista que exclui o outro lado quase que por completo. No outro lado está o realizador que pouco se ouve, e nunca vemos. S.O.P. trabalha sobre a linha que separa os comportamentos condicionados dos outros. Na prisão de Abu Ghraib havia um trabalho a fazer, um resultado a obter, até que se entrou numa espécie de auto-gestão que resultou em práticas de humilhação dos presos iraquianos totalmente arbitrárias e repulsivas. Isto não abona a favor da sanidade mental dos soldados americanos, cuja impunidade gerada no interior da prisão onde o regime de Saddam matara 30 mil pessoas conduziu à libertação dos mais baixos instintos.
Vemos Standard Operating Procedure e pensamos no Saló de Pasolini e nos campos de concentração alemães. A subjugação do homem pelo homem. A degradação do homem pelo homem. A pulsão sórdida. Mas isto não impede o espanto perante a mestria de Errol Morris nas muito particulares recriações, e face ao modo sofisticado como toda a informação é gerida.

visto em DVD.

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