Truffaut dizia que o vídeo servia para rever filmes como quem olha para a memória registada num álbum de fotografias. Concordo com Truffaut e sempre que posso mantenho o princípio. A sala de cinema é para mim insubstituível. É aí que o desejo de descoberta (ou de confirmação) mesmo que esmoreça nunca desaparece. Acontece que os filmes que revejo em vídeo - mesmo quando não inteiramente conseguidos - são frequentemente mais interessantes do que a programação das salas. Até num final de semana que coincide com a estreia do ansiado Moretti! Foi o caso deste. Em casa revi The End of Violence, de Wim Wenders, com a recordação da parcial desilusão datada já de há dez anos atrás, mantida activa graças a algumas imagens e sobretudo sons que justificavam revisão. Gostei mais desta vez. Há coisas que Wenders de certo modo antecipava em 1997, que encontram hoje a sua perfeita actualidade. O alemão faz uma espécie de cinema "ambiente", rapsódico, lançando temas e imagens e músicas nunca totalmente desenvolvidos que abrem espaço à especulação por parte de quem estiver para isso. The End of Violence é suficientemente sugestido para que me desprenda da tendência de lhe procurar coerência interna (algo que a visão repetida pode facilitar) e me deixe prender pelos motivos - referências que vêm da paisagem americana (e neste caso urbana), da pintura (Hoppper), do filme negro (mulheres fatais que são o sonho acordado de uma conversa a várias artes), da música (Ry Cooder, Jon Hassell, Roy Orbison, Tom Waits), Andy McDowell olhada pelo seu lado de absoluta sofisticação (e o contraste que com ela estabelece a loura voluptuosa Traci Lind), a integração fascinada da tecnologia e a crítica que sobre ela se produz - que o filme de Wenders articula com maneirismo e pretensão que umas vezes funciona, outras menos.
No cinema propriamente dito, comecei logo pelo Moretti (sexta-feira, meia-noite, connosco menos de dez as pessoas na sala, como é possível?) que desta vez não me convenceu. A gente à espera que o filme comece, que mostre qualquer coisa gira (além do rosto de Jasmine Trinca), que diga qualquer coisa que suspenda a indiferença, que não se limite à agitação fútil dos preliminares de qualquer coisa (que coisa?), e acabamos desistindo. Não encontro melhor expressão para caracterizar O Caimão do que "regresso em falso". Berlusconi-Moretti? Se sim, deu zero a zero. Podendo entender-se o falso do regresso pelo contrário do que tomo por verdadeiro: o que entusiasma e produz reconhecimento. Afinal trata-se de um filme do Nanni Moretti, caraças! (Terminei a jornada domingo com The Fountain, objecto de um kitsch pavoroso que é redundante sob todos os aspectos. Não recordo a última vez que assisti a tão megalómano desaproveitamento. Também não interessa. No espectáculo propriamente dito, a segunda parte do Portugal-Bélgica fez acontecer no dia anterior o que todos desejávamos que acontecesse)