É uma tentação usar este título (aludindo ao segundo filme de Orson Welles, de 1942), e poderei mesmo tê-lo feito anteriormente. O conceito de família, num sentido muito particular, e o cinema de Wes Anderson, continuam indissociáveis um do outro, com a única novidade de a família ser cada vez maior. É ter disponibilidade para seguir os créditos finais de Moonrise Kingdom e perceber a quantidade de gente envolvida na sua produção, que no entanto não abdica que querer parecer artesanal, mostrando as costuras dos cenários e as cores de livro infantil tornado aventura de crianças e adultos. O cinema é para Wes Anderson a possibilidade de resgatar uma noção de família, desde logo ameaçada pela disfuncionalidade das famílias dos seus filmes. Daí o espírito de aventura que leva à criação de novos laços. Daí a sua obsessão com uniformes: tudo o que veste as personagens e que pode reforçar a identificação entre elas. Daí a maior liberdade do seu universo de faz de conta, onde adultos se podem comportar infantilmente, e as crianças como adultos a fingir, para que tudo seja possível e concorra para o surgimento da nova ordem familiar.
É o antídoto para a melancolia e a depressão que também sentimos existir além do arco-íris. A metereologia aliás é outro factor importante, decisivo, em Moonrise Kingdom, para a convergência de todas as suas figuras num único espaço, uma igreja, ameaçado por uma tempestade (Moonrise Kingdom pode ser visto como Shakespeare BD; um Romeu e Julieta colorido de forma exuberante) de proporções únicas. Da catástrofe "a fingir", que ostenta o lado "fake" (e o termo "fake" remete-nos de novo para Welles) da sua manifestação e consequências, apesar de suficientemente realista (como tudo no filme), que se abate sobre a ilha de New Penzance na Nova Inglaterra, resulta a reintegração do par foragido, e a possibilidade de continuarem juntos na aceitação da sua condição de adolescentes/dependentes, mas sempre tocados pela excentricidade própria e de todo o universo do filme. O que Wes Anderson reuniu só ele poderá separar, para juntar de novo na próxima aventura, por certo diferente mas igualmente reconhecível do seu imaginário muito pessoal. O território para os órfãos com espírito alarga-se e é sempre o mesmo.