2.09.2011

Museu Lemmy a caminho


























O filme sobre Mr. Lemmy Kilmister que anda a ser mostrado em vários pontos dos Estados Unidos – à semelhança do que João Botelho vem fazendo com o Filme do Desassossego –, está disponível para compra no sítio da Amazon inglesa, no que é outra feliz coincidência do mercado globalizado. O documentário do ano passado dos "rookies" Greg Oliver e Wes Orshosky acompanha a vida do sexagenário (n. 1945) vocalista e baixista dos Motörhead, que é dos últimos exemplares fidedignos da vivência rock'n'roll personificada. É incrível que na sua idade Lemmy continue a gravar, a beber e em digressão como sempre fez. E com o aspecto físico que lhe conhecemos há décadas. Lemmy parece uma personagem conservada em "geekness". Descontados os apontamentos biográficos que se tornaram mitologia lemmyana (drogas, sexo e música), o que Lemmy traz de novo é o olhar debruçado sobre o quotidiano do músico recheado de idiossincrasias tão ou nada excêntricas como isso. A casa de Lemmy em Los Angeles, de que só viremos a conhecer o interior, está atafulhada de tralha de que Lemmy não sente necessidade de se separar: todo o material alusivo à sua imagem e à discografia dos Motörhead junto com peças que remetem para as duas Grandes Guerras (punhais, fardamento, réplicas, literatura vária) constituem aquilo que salta à vista, mas o aspecto interior da mansarda é qualquer coisa de caótico (típico abrigo de homem solteiro que tomou a balbúrdia por disciplina; ou então é mesmo a grande acumulação de objectos que não permite outra arrumação). Lemmy não é de todo dado à claustrofobia e segue o protagonista nas suas incursões diárias ao bar e restaurante Rainbow, de Sunset Blv., poiso célebre frequentado por músicos em todas as épocas. Lemmy vai lá porque gosta de se sentir rodeado daquela história que é também sua, mas sobretudo para ficar num canto agarrado à "slot machine" (dos seus menos difundidos vícios) e a beber Jack Daniels com Coca-Cola. No sentido prosaico, Lemmy faz parte da mobília do Rainbow: o escritório possível para alguém como ele que se orgulha de só fazer o que gosta. Também percebemos que este registo "access all areas" não foi sempre bem acolhido por Lemmy, facto que a dupla de realizadores faz questão de deixar evidente no "making-of" que é parte do segundo DVD. Lemmy (e Lemmy) não defrauda as expectativas dos fãs, sejam músicos ou público, mas existe nele o lado sentimental que se sobrepõe à mitologia quando fala do primeiro amor que perdeu para a heroína ou do único filho com que mantém contacto até hoje (os dois garantem ter já trocado de namoradas entre eles). A parte de Lemmy de que gostei mais é também comum a este tipo de proposta. Gosto muito dos depoimentos dos outros músicos sobre Lemmy (a lista é extensa e inclui Dave Grohl, Henry Rollins, Peter Hook, Alice Cooper, Ozzy, todos os elementos dos Metallica, Pepper Keenan, Jarvis Cocker e Ice-T). Nesses momentos é como se Lemmy se agigantasse na proporção em que aqueles que se lhe referem parecem baixar até nós e por um processo de empatia, pela paixão comum suscitada por figuras lendárias da música pesada. Quando Lemmy partir um dia (que ele parece eterno mas não é), o trabalho para a concretização do Museu Lemmy está quase pronto. É pespegar com a tralha em espaço visitável e colocar um tanque de guerra de tamanho real para receber os curiosos. Com estrondo.

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